sexta-feira, 6 de agosto de 2010

JOÃO BUNYAN, UM PEREGRINO A CAMINHO DO CÉU

Jefferson Magno Costa    

    Oferecendo serviços de caldeireiro ambulante, lá vai João Bunyan pelas ruas de algumas cidades da Inglaterra. Corre o ano de 1648. Aquele rapaz de 25 anos, ex-soldado do Parlamento, não sabe o que o destino lhe reservou. Casado com a jovem que o conduziu aos caminhos da Fé, João Bunyan, enquanto conserta caldeiras, panelas e copos, prega o Evangelho a todos quanto estão ao alcance de sua voz.
    Anos antes, levara uma vida dissoluta em Harrowden, sua cidade natal. Seu lar era extremamente pobre. Contam alguns historiadores da época que o modo mais seguro de se localizar o adolescente Bunyan era dirigir-se ao local onde estivesse ocorrendo alguma briga, pois ele quase sempre estaria envolvido nela. Mas agora aquele moço, que entrara no exército do Parlamento para combater os insurretos durante a guerra civil, e que, apesar de sua coragem, fora dispensado da carreira das armas por gostar de perdoar os inimigos, caminhava pelo país consertando caldeiras e anunciando a salvação oferecida por Jesus Cristo.


PRESO POR PREGAR A PALAVRA DE DEUS
    Porém a Igreja Oficial, formalizada e secularizada pela monarquia, não podia tolerar essa concorrência do jovem pregador, e tratou de encarcerá-lo na prisão de Bedford. Durante 12 longos anos, João Bunyan viveu ali, numa cela escura e fria. Mas o calor e a luz que ele irradiou para o mundo através de seus livros tornaram-no um dos grandes servos de Deus imortalizados na memória da humanidade.
    A esposa e os amigos de Bunyan tudo fizeram para libertá-lo, mas as autoridades civis recusaram-se a fazê-lo, a menos que ele prometesse que nunca mais se dedicaria à pregação do Evangelho. Ao saber dessa condição, Bunyan afirmava sempre:
    - Se eu sair hoje do cárcere, começarei a pregar hoje mesmo, com a ajuda de Deus.
    E assim o tempo foi passando, e Bunyan foi se aprofundando cada vez mais na leitura das Sagradas Escrituras, a ponto de dominar grande parte de sua riqueza temática e se identificar plenamente com o estilo dos escritores sagrados. Disse ele, numa das cartas que escreveu à sua esposa: "Nunca havia sentido a presença de Deus ao meu lado de maneira tão poderosa como a estou sentindo agora, após o encarceramento. A leitura das Escrituras me fortalece tão profundamente, que chego a desejar, se lícito fosse, maiores provações para receber maiores consolações."


O LIVRO MAIS LIDO NA INGLATERRA DEPOIS DA BÍBLIA FOI ESCRITO EM UMA PRISÃO
     Foi no úmido cárcere da prisão de Bedford que Bunyan escreveu o livro que seria traduzido em mais de 100 idiomas, e cuja influência na cultura de língua inglesa só é superada pela Bíblia, equiparando-se, contudo, à obra de Shakespeare e a de Milton, os dois maiores escritores ingleses de todos os tempos. O Peregrino, ou A Viagem do Cristão à Cidade Celestial, título da obra-prima de João Bunyan, é hoje considerado um dos maiores clássicos já produzidos pelo cristianismo.
    Por ter sido escrito em linguagem simples, pura, cheia de expressões bíblicas e adequada a todos, O Peregrino conquistou um número de leitores maior do que jamais teve qualquer livro de outro grande escritor. Além de se constituir numa fiel descrição de como se comportava o povo inglês da época de Bunyan com relação à fé, O Peregrino relata, sobretudo, a viagem de Cristão, que sai da Cidade da Destruição para a Cidade Celestial. Vejamos que lições podemos tirar hoje deste livro.
    Durante sua acidentada mas interessantíssima viagem, Cristão depara-se com personagens alegóricos que o perturbam ou o ajudam. Passa por diversos lugares (todos têm uma real significação na vida do crente), como o Desfiladeiro do Desespero, o Vale da Humilhação, a Feira das Vaidades, o Rio da Morte, e outros, até chegar à Cidade Santa. No decorrer da narração, os personagens alegóricos tornam-se tão vivos, que temos a impressão de tê-los conhecido pessoalmente.
    A história origina-se de um sonho de Bunyan: "Caminhando pelo deserto deste mundo, parei num lugar onde havia uma caverna (a prisão de Bedford), deitando-me aí para descansar. Em breve adormeci e tive um sonho". Bunyan vê então um homem coberto de andrajos, de pé, tendo sobre os ombros um fardo pesado (os pecados) e lendo um livro (a Bíblia). À proporção que ia lendo, conscientizava-se de que era um pecador, e que precisava ser salvo. Enquanto lia, estremecia e chorava. Esse homem chama-se Cristão.


O PEREGRINO FOGE DA CIDADE QUE SERÁ DESTRUÍDA


    Ao chegar em casa, Cristão reúne a mulher e os filhos, e fá-los saber que, segundo aquele livro, a cidade onde habitam está para ser consumida pelo fogo. Imediatamente seus familiares concluem que ele enlouqueceu. Pedem que abandone aquelas idéias, mas nada conseguem. A única preocupação de Cristão é quanto ao que ele pode fazer para ser salvo. Não conseguindo convencer sua família a acompanhá-lo, Cristão parte sozinho em busca da salvação.
    Mas, por não saber ainda exatamente como agir, nem que direção tomar, pára, confuso, ainda nos arredores de sua cidade. Então aproxima-se dele um homem chamado Evangelista e, após ficar sabendo do que se passa, entrega-lhe um pergaminho onde está escrito: "Fugi da ira futura." Em seguida aponta-lhe um caminho, em cujo final brilha a luz (Salmo 119.105; 2 Pedro 1.19), que é a própria Palavra de Deus. Sob a recomendação de Evangelista: "Não a percas de vista; vai direto a ela, e encontrarás uma porta; bate, e lá te dirão o que hás de fazer", Cristão parte rumo à luz que brilha ao longe.
    A mulher e os filhos ainda tentam fazê-lo desistir, mas ele não lhes dá ouvidos, e segue o seu caminho, gritando: "Vida eterna! vida"eterna! vida eterna!" Alguns vizinhos correm atrás dele, e tentam trazê-lo para casa. Mas é inútil. Entre esses vizinhos há dois que insistem mais um pouco, e procuram saber o porquê daquela viagem. Chamam-se Obstinado e Flexível. Cristão fala-lhes sobre o pecado e a destruição que ameaça a todos os que não cumprirem a orientação daquele livro, e lhes mostra a Bíblia.
    Obstinado e Flexível desejam saber o que Cristão espera receber em troca de tudo o que o mundo oferece.
    Cristão explica-lhes:
    - Procuro uma herança incorruptível, "que não pode contaminar-se nem murchar", reservada com segurança no Céu, para ser "dada, no devido tempo, aos que a buscam diligentemente". Assim declara o meu livro; lede-o se desejais, e convencer-vos-eis da verdade.
    Obstinado resolve abandonar aquele homem que, certamente, enlouquecera. Chama Flexível, mas este está resolvido a acompanhar Cristão em sua viagem.
    - Enlouqueceste também? - pergunta-lhe Obstinado, e, sem mais delongas, abandona os dois "loucos", voltando para a Cidade da Destruição.


ATOLADOS NO PÂNTANO DA DESCONFIANÇA
    Cristão e Flexível seguem conversando sobre as promessas contidas no livro, que é lido em voz alta. Flexível escuta atentamente. Mas, entretidos que estavam na conversa e na leitura, não veem que se estão aproximando da beira de um pântano. Quando se apercebem, já estão dentro do atoleiro. É o Pântano da Desconfiança!
    Flexível volta-se para Cristão e diz:
    - É esta a felicidade de que me falaste? Se começamos assim nossa viagem, não posso crer que terá um bom fim. Se me vejo livre desta, garanto-te que dispensarei de bom grado a parte que poderia pertencer-me no tal celebrado país, e voltarei para minha cidade.
    E, fazendo um grande esforço, consegue alcançar a margem do pântano. Logo que se viu fora do atoleiro, nem pensou sequer em oferecer ajuda ao companheiro de viagem. Trata de correr na direção de sua casa, deixando Cristão a atolar-se cada vez mais. Mas eis que surge Auxílio, estende-lhe a mão e salva-o do Pântano da Desconfiança, dando-lhe alguns esclarecimentos acerca da significação daquele terrível lugar. Em seguida Cristão reinicia sua caminhada.


ENGANADO POR SÁBIO-SEGUNDO-O-MUNDO
    Conforme a explicação de Auxílio, aquele lugar chama-se Pântano da Desconfiança porque "quando o pecador desperta no conhecimento das suas culpas e de seu estado de perdição, surgem na sua alma dúvidas, temores, e apreensões desconsoladoras que se ajuntam nesse lugar". Caminhando sempre rumo à porta estreita, Cristão vê aproximar-se dele um homem chamado Sábio-Segundo-o-Mundo, que habita na cidade conhecida por Prudência Carnal. Os dois põem-se a conversar. Após ouvir sua história, Sábio-Segundo-o-Mundo diz que sabe como Cristão poderá livrar-se daquele fardo que leva às costas, sem precisar caminhar tanto. Indica-lhe a casa de um homem chamado Legalidade, que mora na aldeia da Moralidade, e tem um filho chamado Urbanidade.
    Cristão segue o conselho de Sábio-Segundo-o-Mundo, e dirige-se para a casa de Legalidade, mas ao se aproximar da montanha da Lei, esta parece-lhe tão elevada, que ele teme que ela caia sobre sua cabeça. Relâmpagos e chamas saem da montanha, ameaçando devorá-lo. Ele pára, aterrorizado.


EVANGELISTA REPREENDE CRISTÃO E O RECOLOCA NO CAMINHO CERTO


    Mas eis que surge novamente Evangelista. Após repreender Cristão e mostrar-lhe a gravidade do seu erro, ajuda-o a retornar ao caminho para a porta estreita, advertindo-o:
    - Toma cuidado em não te extraviares outra vez, para que não suceda pereceres no meio do caminho.
    Finalmente Cristão consegue chegar diante da almejada porta estreita, sobre a qual está escrito: "Batei e abrir-se-vos-á". Após bater por diversas vezes, aparece para atender-lhe um homem chamado Boa-Vontade, que pergunta a Cristão quem ele é, de onde vem e o que deseja.
    - Senhor, responde-lhe Cristão, sou um pobre pecador cansado e carregado. Venho da Cidade da Destruição, e dirijo-me ao monte Sião, a fim de escapar à ira vindoura. Disseram-me, honrado homem, que para seguir o meu caminho devo entrar por esta porta. Desejo saber se dás licença para que eu entre.
    Como resposta, Boa-Vontade puxa com força Cristão para dentro, e, diante do espanto deste, explica-lhe:
    - Há aqui perto um castelo, cujo governador é Belzebu, que, junto com seus soldados, está continuamente disparando setas contra aqueles que se aproximam desta porta, a fim de os matar antes que entrem.
    Após ouvir sua história, Boa-Vontade indica-lhe um caminho, e diz que é por ali que Cristão deverá seguir, pois por aquele caminho passaram os Patriarcas, os Profetas, Cristo e os Apóstolos. É um caminho sempre reto e estreito. Após despedir-se de Boa-Vontade, Cristão segue viagem, e logo chega à casa de Intérprete. Naquela casa recebe várias lições que serão úteis no decorrer de sua viagem.


CRISTÃO É INSTRUÍDO POR INTÉRPRETE
    Intérprete, pegando Cristão pela mão, conduze-o a uma sala cheia de poeira, pois nunca fora varrida. Quando um dos criados principia a varrê-la, levanta-se tal nuvem de poeira que quase sufoca Cristão. Porém uma jovem borrifa a sala com água, e pode-se então varrê-la sem dificuldade. Intérprete explica:
    - A sala representa um coração que nunca foi santificado pela doce graça do Evangelho. A poeira é o pecado original e a corrupção interior, que contaminam todos os homens. Quem principiou a varrê-la foi a Lei. O pó que quase te asfixiou são os pecados. Isto significa que a Lei, em lugar de limpar os corações, reaviva os pecados cada vez mais. A moça que borrifou a sala é o Evangelho. Quando o Evangelho entra no coração, com sua doce e preciosa influência, vence e subjuga o pecado, limpa a alma que nele crê e torna-a digna de ser habitada pelo Rei da Glória.
    Cristão é em seguida conduzido a um pequeno quarto onde se acham dois meninos sentados, Paixão e Paciência. O primeiro deseja possuir e desfrutar os bens do mundo, e nada almeja para a vida futura. O segundo almeja tão-somente os bens da vida eterna. Intérprete conclui o exemplo, dizendo:
    - As coisas que se veem são temporais, mas as que não se veem são eternas (2 Coríntios 4.18).
    Em outra sala há um fogo junto de uma parede, e alguém tenta apagá-lo, jogando água continuamente. Porém outra pessoa joga óleo dentro do fogo, e este não se apaga. Intérprete esclarece que o fogo representa a obra da graça no coração humano, e quem está tentando apagá-lo é Satanás, porém Jesus Cristo, com o óleo de sua graça, mantém acesa a obra iniciada no coração.

CRISTÃO VÊ-SE LIVRE DO SEU FARDO DE PECADOS AO PÉ DA CRUZ

    Após ver outras interessantes representações, Cristão despede-se de Intérprete e segue viagem, passando a caminhar por uma estrada protegida por dois altos muros chamados salvação. "Caminhava com muita dificuldade, por causa do fardo que levava às costas, mas o seu passo era rápido e seguro; vi-o aproximar-se de um pequeno monte onde se erguia uma cruz, junto à qual, um pouco mais abaixo, estava um sepulcro aberto. Ao chegar à cruz, soltou-se-lhe instantaneamente o fardo de sobre os ombros e, rolando, foi cair na sepultura, donde não tornará jamais a sair", conta João Bunyan.
    - Bendito seja Aquele que, com os seus sofrimentos, deu-me descanso, e, com a sua morte, concedeu-me a vida! - diz Cristão ao se ver livre do fardo de pecados.
    Continuando sua viagem à Cidade Eterna, Cristão depara-se com três homens chamados Simples, Preguiça e Presunção, que, com os pés ligados por cadeados, dormem profundamente. Cristão acorda-os e os adverte do perigo que correm:
    - Pois se passar por aqui o leão rugidor, caireis por certo nas suas terríveis garras (1 Pedro 5.8) - avisa Cristão.
    Eles não dão a mínima atenção, e continuam a dormir, enquanto Cristão segue estrada a fora.


CRISTÃO ENCONTRA OUTROS PERSONAGENS
    Subitamente aparecem-lhe Formalista e Hipocrisia, que dizem ser da terra da Vanglória, e dirigem-se ao Monte Sião em busca de louvores. Cristão os vira pular o muro que protege o caminho estreito, e pergunta-lhes se eles ignoram "que o que não entra pela porta do aprisco, mas por outra parte, é ladrão e salteador". Eles respondem :
    - O que importa é entrar no caminho; por onde se entra isso pouca importância tem. Tu entraste pela porta, nós pulamos o muro; mas o fato é que todos estamos no caminho, e não vemos nenhuma vantagem do teu lado.
    Cristão responde-lhes:
    - Vós sois salteadores. Estou certíssimo de que no fim da vossa viagem não sereis tidos na conta de homens de fé e de confiança. Entrastes sem a permissão do Senhor e saireis sem a sua misericórdia.
    Continuando sua viagem, Cristão depara-se com Timorato e Desconfiança, que abandonam, correndo, o caminho da Cidade Celestial, pois haviam encontrado dois leões. Quando Cristão já se está preparando para abandonar sua dificultosa viagem, desistindo de tudo, o porteiro do palácio, cujo nome era Vigilante, grita-lhe:
    - Tão poucas forças tens? Não temas os leões, porque se encontram acorrentados, e estão aí para provar a fé ou a incredulidade dos viajantes; passa pelo meio da estrada, e mal algum te acontecerá.


ENFRENTANDO O MONSTRO APOLIOM NO VALE DA HUMILHAÇÃO
    O Palácio Belo, que fora construído para servir de asilo e descanso para os viajantes, é habitado por Discrição, Prudência, Piedade e Caridade, que, após interrogarem Cristão, ceiam com ele. O quarto que lhe destinaram está situado no andar superior do palácio e chama-se Sala da Paz, e tem uma janela aberta para o Nascente.
    Pela manhã, após visitar algumas dependências do palácio, Cristão resolve partir. Antes, dão-lhe armas para que ele se defenda no caminho. Discrição, Piedade, Caridade e Prudência acompanham-no até se aproximarem do Vale da Humilhação, quando então se despedem. Cristão começa a descer, sozinho, o vale. Eis que de repente surge o terrível monstro Apoliom. Tem o corpo todo coberto de escamas, é dotado de asas de dragão, patas de urso e cabeça de leão. De sua boca saem fumaça e fogo. Trava-se entre eles um impressionante diálogo.
    Apoliom, que representa o próprio Satanás, pergunta porque Cristão abandonou os seus domínios. Cristão responde: "O teu serviço era tão pesado, e teu salário tão miserável, que mal dava para eu viver, porque o salário do pecado é a morte (Romanos 6.23)". Apoliom tenta então convencer Cristão a voltar a servi-lo, mas nada consegue. Após muito dialogarem, começam a lutar.
    - Vou arrancar-te a alma, diz Apoliom. Depois de longa batalha, Cristão fere Apoliom com sua espada de dois gumes - a Palavra de Deus -, e o inimigo foge.
    Após agradecer a Deus por aquela vitória, Cristão apressa-se a sair do Vale da Humilhação, mas eis que à sua frente se estende o Vale da Sombra da Morte. O caminho que conduz à Cidade Celestial passa por esse vale. Sobre ele pairam as tenebrosas nuvens da confusão, e a morte estende constantemente suas negras asas em toda a extensão do vale. O caminho está em trevas, e por isso Cristão caminha com dificuldade, ouvindo gritos e gemidos. Monstros e dragões rugem à sua volta.
    À margem direita daquele vale está o abismo profundo para o qual cegos têm guiado outros cegos no decorrer dos tempos. Cristão reconhece que a espada com que vencera Apoliom não lhe será suficiente para enfrentar todos os perigos que margeiam a estrada, e lança mão de outra arma, a oração. Através dela, pede a Deus: "Senhor, livra a minha alma!" Em alguns trechos da estrada, ele tem de caminhar cercado por terríveis chamas. "Caminharei na força do Senhor", diz Cristão, e avança cercado de demônios por todos os lados. Súbito, ouve alguém exclamar: "Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo" (Salmo 23.4). Aquelas palavras enchem-no de esperança e paz.
    Quando a aurora começa a raiar sobre o vale, os monstros e demônios fogem para as sombras e abismos. Cristão exclama: "Ele torna a sombra da noite em manhã" (Amós 5.8). À luz do sol, o Peregrino distingue os perigos que o haviam cercado durante a noite. Laços, redes, obstáculos, precipícios e covas circundam o caminho. Espalhados pelo vale há ossos, sangue, cinzas e corpos de pessoas despedaçadas, que tinham tentado atravessar aquele vale sem a proteção de Deus.
    Cristão agradece a proteção que recebe¬ra do Senhor:
    - Bendita seja a mão misericordiosa a quem devo a minha conservação. Enquanto estive neste vale, cercaram-me os perigos das trevas, os inimigos, o inferno e o pecado. No meu caminho havia inúmeros laços, abismos, obstáculos de toda a espécie; mas graças sejam dadas a Jesus, que de tudo me livrou.
    Continuando sua viagem, Cristão encontra-se com Fiel, que também procede da Cidade da Destruição e dirige-se à Cidade Celestial. Ao aproximar-se dele, diz-lhe Cristão:
    - Honrado e querido irmão Fiel, estou contentíssimo por haver-te alcançado, e por Deus ter disposto de tal sorte os nossos espíritos a fim de caminharmos juntos nesta estrada tão agradável!
    E seguem conversando a respeito das experiências vividas até ali. Após reconhecerem que a misericórdia de Deus é a causa de eles estarem ainda vivos, Fiel conclui:
    - São muitas as tentações que encontram aqueles que obedecem à voz do Céu, e todas conforme as inclinações da carne. Quando umas são vencidas, logo outras nos assaltam. Devemos estar sempre alerta, e nos portarmos com valentia!
    Eis que lhes surge no caminho um bom homem chamado Loquaz, filho de Bem-Falante, e residente na rua das Boas Palavras. Após declarar que dirige-se também ao País Celestial, inicia uma interessante conversa com os dois peregrinos. Mas Cristão já o conhece, e na primeira oportunidade que lhe surge, adverte Fiel acerca dos perigos que ambos estão correndo na companhia daquele homem.
    Acerca de Loquaz, diz Cristão a Fiel:
    - Todas as companhias lhe agradam, e o que te afirmou há pouco é o mesmo que dirá quando estiver numa taberna. A conversão verdadeira não existe no seu coração, nem na sua casa, nem na sua vida; tudo o que tem reside na ponta da língua, e a religião dele consiste em apregoar tão-somente que a possui. Fala de "oração, de arrependimento, de fé e do novo nascimento, todavia nada disso sente; não faz mais do que falar. Paulo chama os grandes faladores de metal que soa e sino que tine (1 Coríntios 14.7). Coisas sem vida, isto é, sem a genuína fé e a verdadeira graça do Evangelho, que nunca poderão ter lugar no Reino dos céus, entre os filhos da vida, embora ao falarem produzam sons semelhantes aos da voz dos anjos.
    Fiel dispõe-se então a desmascarar Loquaz. Voltando-se para este, diz:
    - Conversemos agora. E, visto que deixaste a mim a escolha do assunto, proponho este: - Como se manifesta a graça salvadora de Deus, e quando existe ela no coração do homem?
    Loquaz prontamente responde:
    - Quereis dizer que vamos falar acerca do poder das coisas espirituais? O assunto é excelente, e estou bem disposto a responder desde já. Primeiro: quando a graça de Deus existe no coração, origina um grande clamor contra o pecado; segundo...
    - Mais devagar - diz Fiel. - Consideres uma coisa de cada vez. Parece-me que falaríeis mais acertadamente, dizendo que a graça de Deus se manifesta em inclinar a alma a aborrecer o pecado.
    - E que diferença há entre clamar contra o pecado e odiá-lo?
    - Muitíssima. Podemos, por decência, clamar contra o pecado, até do púlpito e, não obstante, tolerá-lo em nosso coração e em nossas casas. Os clamores de algumas pessoas contra o pecado são como os da mãe contra o filho a quem repreende, mas que logo beija e acaricia.
    - Parece-me que quereis apanhar-me nos meus próprios argumentos - observou Loquaz.
    - Não - responde Fiel, - apenas desejo colocar as coisas no seu devido lugar. Dizei agora qual é o segundo ponto com que demonstrais a existência da obra da graça no coração.
    - Tendo um grande conhecimento dos mistérios evangélicos - responde Loquaz.
    - Deveis pôr esse em primeiro lugar, diz Fiel, mas, em primeiro ou em segundo, é sempre falso, porque podemos obter facilmente muitos conhecimentos evangélicos e não termos a obra da graça nas nossas almas. Além do mais, é possível um indivíduo possuir toda a ciência, e, contudo, não ser coisa alguma. O saber agrada efetivamente aos faladores e aos jactanciosos, mas Deus compraz-se com o fazer. Não quero com isto dizer que o coração possa ser bom sem o conhecimento, porque sem ele nada vale. Logo, há dois conhecimentos distintos: aquele que trata de investigar as coisas, e aquele que é acompanhado de graça, fé e amor, que leva o homem a praticar a vontade de Deus. O primeiro satisfaz ao falador; todavia, o verdadeiro cristão só se satisfaz com o segundo.
    - Estais mais uma vez criticando as minhas palavras, e nada mais. Não vejo a possibilidade de chegarmos a um acordo. Passe muito bem.
    Após se separarem de Loquaz, Cristão e Fiel notam que alguém os segue. Esperam que se aproxime, e, para surpresa e alegria de ambos, veem que se trata de Evangelista. Após saudarem-se e abraçarem-se afetuosamente, Evangelista fala-lhes:
    - Meus filhos, tendes ouvido, na palavra de verdade do Evangelho, que, enfrentando muitas tribulações, entramos no reino de Deus, e que em cada cidade nos esperam prisões e perseguições. Deveis, portanto, esperar que no vosso caminho se vos deparem algumas destas coisas... Tende por certo que um de vós, ou ambos, selará o seu testemunho com o próprio sangue. Conservai-vos, porém, fiéis até a morte, e o Rei dar-vos-á a coroa da vida.
    Ao seguirem viagem, chegam a uma cidade chamada Vaidade; ali há uma feira, onde tudo é vendido: casas, terras, empregos, títulos, concupiscências, ouro, prata, pedras preciosas, adultérios, mortes, falsos testemunhos e muitas outras coisas. É conhecida como Feira da Vaidade. O caminho que conduz à Cidade Celestial passa pelo centro dessa cidade.
    O príncipe da cidade chama-se Belzebu. Várias razões levam os comerciantes a se incomodar com a presença dos peregrinos. Uma delas é que seus vestidos são muito diferentes dos que se vendem na feira, e a multidão começa a cercá-los para os ver. Uns dizem que eles são idiotas, outros que são loucos, e outros que são estrangeiros: "Porque tenho para mim, que Deus a nós, apóstolos, nos pôs por últimos, como condenados à morte; pois somos feitos espetáculo ao mundo, aos anjos, e aos homens" (1 Coríntios 4.9).
    Os comerciantes não entendem o modo de falar dos peregrinos, pois estes falam o idioma de Canaã, e a população daquela cidade fala a linguagem do mundo: "Mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; a qual nenhum dos príncipes deste mundo conheceu, porque, se a conhecessem, nunca crucificariam o Senhor da glória" (1 Coríntios 2.7,8).
    O que mais incomoda os mercadores é o fato de os peregrinos não darem nenhuma importância às mercadorias que vendem; nem sequer olham para elas. Se alguém lhes oferece alguma coisa, eles exclamam: "Desvia os meus olhos de contemplarem a vaidade" (Salmo 119.37), e desviam o olhar para cima. Um dos mercadores pergunta-lhes furiosamente:
    - Que quereis comprar?
    - Compramos a verdade (Provérbios 23.23).
    Estas respostas despertam a ira no coração de muitos, e eles passam a insultar os peregrinos. Há grande tumulto na feira, os peregrinos são presos e interrogados.
    Perguntam-lhes de onde vêm, para onde vão, e que fazem ali em trajes estranhos. Eles respondem:
    - Somos peregrinos no mundo, e dirigimo-nos à nossa pátria, que é a Jerusalém Celestial.
    O Tribunal, contudo, declara-os lou¬cos, conclui que eles vieram expressamente para perturbar a ordem pública. Resolvem açoitá-los, atiram lama sobre eles e prendem-nos numa gaiola para servirem de espetáculo a toda a gente da feira. Depois, são levados novamente a julgamento. O juiz do processo chama-se Ódio-ao-Bem. Os peregrinos estão sendo acusados de ser inimigos e perturbadores do comércio, de terem provocado desordem e conflitos na cidade, e de haverem criado um partido em favor das suas perigosíssimas opiniões, desacatando completamente as leis do príncipe reinante, Belzebu.
    Contra os peregrinos há três testemunhas: Inveja, Superstição e Adulação. Por ter solicitado a palavra para se defender, e, durante a sua defesa, ter desafiado "Belzebu e todos os seus sequazes", Fiel passa a ser visado em particular e violentamente acusado por todos. Adulação diz que Fiel não respeita nem o príncipe, nem o povo, nem a lei, nem os costumes.
     - Ele tem injuriado o nosso excelso príncipe Belzebu, e falado com desprezo dos seus ilustres amigos, como o senhor Homem-Velho, o senhor Prazer-Carnal, o senhor Comodista, o respeitável ancião senhor Luxúria, o cavalheiro Avidez, e muitos outros da nossa nobreza.
    Os homens que compunham o júri não podiam ter nomes mais "ilustres": Cegueira, Malícia, Injustiça, Lascívia, Libertinagem, Temeridade, Altivez, Malevolência, Mentira, Crueldade, Ódio-à-Luz e Implacável. Então o juiz, voltando-se para o júri, disse:
    - Senhores jurados, vede que estes homens provocaram um grande tumulto na nossa cidade. Pertence-vos condená-los ou absolvê-los.


A MORTE DE FIEL
    Fiel é condenado à morte. Esbofeteam-no, açoitam-no, apedrejam-no, ferem-no com espadas e lançam-no ao fogo, reduzindo-o a cinzas. O castigo de Cristão é adiado. Levam-no à prisão, onde ele fica por algum tempo; até que, um dia, Deus providencia a sua liberdade e ele pode seguir o seu caminho.
    Cristão sai da cidade acompanhado de Esperança, que também se dirige à Cidade Celestial. No trajeto, encontram-se com Interesse-Próprio, a quem perguntam de onde vem e para onde vai.
    - Venho da cidade das Boas-Palavras, e dirijo-me à Cidade Celestial.


OS HABITANTES DA CIDADE DE BOAS-PALAVRAS
    Cristão pede que ele lhes fale sobre seus parentes e os costumes dos habitantes da sua cidade.
    - Meus parentes são quase todos antigos habitantes da cidade. O mais ilustre deles é o senhor Vira-Casaca. Há também os senhores Afago, Duas-Caras, Qualquer-Coisa e o senhor Língua-Dobre, que é irmão da minha mãe. Minha esposa é uma dama muito virtuosa, filha de uma senhora também virtuosíssima, a dona Imposto-ra. Somos muito zelosos pela religião, principalmente quando esta se nos apresenta com sapatos de prata; e gostamos muito de a acompanhar em público, à luz do sol, quando todos a veem e aplaudem.
    Quanto a este último ponto, Cristão observou:
    - Se quereis acompanhar-nos tereis de remar contra o vento e contra a maré, o que, segundo vejo, não está no vosso credo. Precisais reconhecer a religião tanto nos seus trajes vultuosos como nos seus andrajos, e acompanhá-la tanto quando sofre perseguições como quando passeia pelas ruas com geral aplauso.
    Interesse-Próprio não concorda com Cristão, e diz que os acompanhará da maneira que ele bem achar e entender.
    - Nem mais um passo! - diz Cristão. -Se não vos conformais com o que nós fazemos, deixai-nos!
    Após se separarem, três amigos de Inte¬resse-Próprio passam a segui-lo. São eles Apego-ao-Mundo, Amor-ao-Dinheiro e Avareza. Os quatro são alunos do senhor Cobiça, que mora na cidade do Amor-ao-Ganho. Esse "sábio" professor ensinara-lhes a arte de adquirir riquezas, tanto pela violência, como pela fraude, pela adulação e pela mentira, utilizando o nome da religião.
    Os quatro homens conversam entre si, e resolvem propor um problema a Cristão e a Esperança. Após os chamarem e os obrigarem a parar e esperar, Apego-ao-Mundo propõe o seguinte problema:
    - Suponhamos que um pastor de almas, ou um comerciante, a quem se apresentasse a ocasião de possuir as boas coisas desta vida, não pudesse alcançá-las de modo algum sem que se fizesse, pelo menos na aparência, extraordinariamente zeloso em algum ponto da religião, com que até então se não houvesse importado muito: não lhe será permitido empregar os meios necessários para obter o seu objetivo, sem por isso deixar de ser homem honrado?
    Cristão responde nos seguintes termos: - Não só eu, mas qualquer novato na fé poderá facilmente responder a mil perguntas como essa; porque se é ilícito seguir a Cristo por causa dos pães, como se vê no Evangelho de João 6.26: "Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes", muito mais abominável será servir-se de Cristo e da religião como meio para conseguir e gozar as coisas do mundo! Só os gentios, os hipócritas, os demônios e os feiticeiros poderão aceitar semelhante opinião. Os fariseus hipócritas foram religiosos deste quilate. Grandes orações eram entre eles o pretexto para devorarem a casa das viúvas. A religião de Judas era também assim, e igualmente a de Simão, o Mago, porque queria possuir o batismo com o Espírito Santo para ganhar dinheiro.
    Diante desta resposta, os falsos peregrinos ficam sem saber o que responder. Cristão diz para Esperança:
    - Se estes homens não podem se defender ante a sentença do homem, o que será quando se apresentarem no tribunal de Deus?
    Cristão e Esperança prosseguem sua viagem até chegarem a uma bela planície chamada Alívio. Porém, do outro lado da planície existe uma colina chamada Lucro. Ali há uma mina de prata. Muitos viajantes, deixando a estrada que conduz à Cidade Celestial, se dirigem à mina, convidados por Demas, o guardião daquele tesouro. Porém, ao se aproximarem demasiadamente de sua entrada, o terreno, que é falso, cede e os precipita no abismo.
    Os dois peregrinos são convidados por Demas para conhecerem a mina, porém Cristão diz a Demas que já o conhece, e não cairá em sua armadilha, pois bem sabe que ele é neto de Geazi e filho de Judas. E prossegue sua viagem em companhia de Esperança. Mas em seguida Interesse-Próprio e seus companheiros atendem o chamado de Demas e se acercam dele. Nunca mais Cristão e Esperança terão notícias daqueles homens.
    Após caminharem por algum tempo, descansam à margem de um rio onde crescem árvores frondosas que produzem toda qualidade de frutos. Ali adormecem. Ao acordarem, comem dos frutos, bebem da água e prosseguem a viagem. Margeando o caminho há um prado, conhecido como "Prado do caminho errado". Por ignorarem o seu nome, os peregrinos passam a caminhar por ele, pois se mostra muito suave aos seus pés.
   Mais adiante, avistam um homem que segue pelo mesmo atalho. Este homem chama-se Vã-Confiança. Perguntam-lhe aonde conduz aquela vereda.
    - À porta da Cidade Celestial, responde o homem.
    - Vê? Não te dizia eu? - exclamou Cristão para o seu companheiro Esperança. -Agora podemos estar certos de que vamos bem.
    E continuam a viagem. Vã-Confiança ia à frente deles. Subitamente a noite os surpreende, escurecendo totalmente o caminho, a ponto de os peregrinos não poderem distinguir o homem que vai adiante. Quando menos esperam, ouvem um grito. O homem caíra numa cova profunda, mandada abrir pelo príncipe daquela região. Cristão e Esperança perguntam em altas vozes ao homem o que lhe acontecera, mas em resposta só obtêm um fraco gemido. O homem está irremediavelmente perdido!
    Começa então a cair uma violenta tempestade, com trovões e relâmpagos a riscarem o céu. Amedrontados e tremendo de frio, os dois peregrinos resolvem voltar, mas as trevas são tão densas, e as águas têm crescido tanto, que eles temem afogar-se ou cair em algum abismo. Para a sua felicidade, encontram um pequeno abrigo, onde se assentam e ficam a esperar o nascer do sol. Ali, adormecem de cansaço.


PRISIONEIROS NO CASTELO DA DÚVIDA
    Próximo ao lugar onde eles adormeceram ergue-se o Castelo da Dúvida, habitado pelo gigante Desespero e sua mulher Desconfiança. O gigante, que havia madrugado para ver os efeitos da tempestade sobre suas terras, depara-se, surpreso, com Cristão e Esperança, que ainda dormem. Acorda-os, e furiosamente pergunta-lhes de onde são e o que querem ali.
    - Somos peregrinos, estamos nos dirigindo à Cidade Celestial, mas perdemos o caminho.
    - Miseráveis! - exclama o gigante. -Quem vos autorizou a invadir os meus domínios? Minhas sementeiras foram pisadas por vós; portanto, sois meus prisioneiros.
    O gigante conduze-os ao castelo e mete-os numa prisão úmida e escura. Seguindo o conselho de sua esposa Desconfiança, passa a tratá-los como a cães; chicotea-os brutalmente, deixa-os sem comida e sem água, e aconselha-os a porem fim à própria existência. Depois leva-os ao pátio do castelo, para mostrar-lhes as ossadas e as caveiras dos que haviam sido despedaçados pelas suas mãos. Sendo novamente jogados à prisão, os dois peregrinos caem ao chão, tão fracos e desanimados, que mal podem respirar. A noite já vai alta quando eles começam a orar, e continuam em oração até o romper da alvorada. Pouco antes do amanhecer, Cristão exclama:
    - Que louco e que néscio eu sou em encontrar-me aqui neste calabouço, quando podia estar gozando a liberdade! Tenho no peito uma chave chamada Promessa, que poderá abrir todas as fechaduras do Castelo da Dúvida.
    Empunhando a chave da Promessa, Cristão pode abrir a fechadura da porta da prisão, bem como as demais portas e o portão de ferro da fortaleza. Ao abrir este último, o gigante Desespero acorda e quase os torna a prender, mas um ataque de fúria o paralisa por completo.
    Os peregrinos correm até alcançar novamente a estrada que conduz à Cidade Celestial. No início do caminho que leva ao castelo do gigante Desespero, resolvem colocar um aviso com as seguintes palavras: "Este caminho conduz ao Castelo da Dúvida, propriedade do gigante Desespero, que menospreza o Rei do País Celestial e busca destruir os seus santos peregrinos".


NAS MONTANHAS DAS DELÍCIAS
     Após caminharem por algum tempo, os peregrinos chegam às montanhas das Delícias, onde contemplam o jardim, a vinha e as fontes; bebem, lavam-se e comem livremente. São hospedados por pastores, que lhes revela ser aquelas montanhas propriedade do Rei dos reis.
    - O Senhor destas montanhas sempre nos tem ensinado o dever da hospitalidade; portanto, está à vossa disposição tudo o que há de bom - dizem-lhes os pastores, que se chamam Sabedoria, Experiência, Vigilância e Sinceridade.
    Próximo daquelas montanhas há um monte chamado Erro, cuja vertente dá para um abismo no lado oposto. Porém, vizinha a este monte há uma montanha cujo nome é Cautela.
    Ao se despedirem dos pastores, estes avisam os peregrinos que se previnam contra o Adulador e que tenham o cuidado de não adormecerem no terreno encantado. Desejam-lhes boa viagem na companhia do Senhor.
    No decorrer da viagem, os peregrinos encontram-se com Ignorância, que diz estar a caminho da Cidade Celestial, mas não entrou pela porta que está no princípio da estrada; é, portanto, da classe "ladrão e salteador". Cristão e Esperança veem um homem caminhando em sentido contrário à Cidade Celestial. Chama-se Volta-Atrás, e está sendo conduzido por sete demônios que o amarraram com grossas cordas. Em suas costas há um letreiro com estas palavras: "Cristão licencioso, maldito e apóstata".
    Ao se depararem com uma bifurcação da estrada, param indecisos, sem saber que direção tomar. Mas eis que surge um homem de cor escura, mas coberto de vestes claras, e pergunta aos peregrinos porque eles estão parados ali. Eles respondem:
    - Vamos para a Cidade Celestial, mas não sabemos que caminho devemos tomar.
    - Vinde comigo que eu também me dirijo para essa cidade - diz-lhes o desconhecido.
    Os peregrinos passam prontamente a seguir aquele homem, que se chama Adulador. Ele os conduz na direção oposta à cidade almejada, até fazê-los cair presos numa rede, e os abandona ali. Eles se debatem na rede até serem socorridos por um ser Resplandecente, que os castiga severamente por eles terem deixado o bom caminho, mas os reconduz à verdadeira estrada.
    Ao reiniciarem a caminhada, encontram-se com Ateu, que havia abandonado o caminho celestial; passam pela Terra Encantada, onde muitos viajantes haviam adormecido para nunca mais acordarem; tornam a se encontrar com Ignorância, e concluem que ele é cristão só nas atitudes que assume externamente.
    Finalmente os dois peregrinos, felizes e rejubilantes, vêem que estão cada vez mais próximos da Cidade Celestial, pois o número de Seres Resplandecentes a transitar pela estrada é cada vez maior. Estão, portanto, perto dos limites do Céu. À beira da estrada há excelentes vinhas e deliciosos jardins. Eis que de repente surgem dois seres com vestidos reluzentes, cujos rostos resplandecem como a luz. Dirigem-se aos dois peregrinos e lhes dizem que para chegarem à Cidade Celestial é necessário atravessarem o rio da Morte que se estende à frente deles. O rio é bastante profundo, e não há qualquer ponte por onde se possa passar.
    - Tendes de atravessá-lo, ou não conseguireis chegar à porta, dizem-lhes os dois seres.
    - Não há outro caminho? - pergunta Cristão.
    - Há, respondem os Seres Resplandecentes. Mas desde a fundação do mundo, só a dois homens -''Enoque e Elias" - foi permitido passar por cima do rio, mas isto a mais ninguém se permitirá até que se cumpra a vinda do Senhor.


ATRAVESSANDO O RIO DA MORTE
    Os dois peregrinos resolvem entrar no rio. Mas subitamente Cristão começa a submergir-se nas águas. E começa a bradar à Esperança:
    - Afundo-me nestas águas, passam por mim todas as ondas, rodeam-me as dores da morte, cai sobre mim grande horror e obscuridade, de maneira que nada vejo. Ah! meu amigo, não verei a terra que mana leite e mel!
     - Tem coragem, irmão, responde-lhe Esperança. Eu alcancei o fundo do rio, e acho-o seguro. Confia em Jesus Cristo, e lembra-te dos doces refrigérios que Ele sempre nos tem dado.
    Ao ouvir estas palavras de Esperança, Cristão exclama em alta voz:
    - Sim, já o estou vendo, e ouvindo sua voz dizer-me: "Quando passares pelas águas, estarei contigo, quando pelos rios, eles não te submergirão" (Isaías 43.2).
    Assim avançam, encorajando-se reciprocamente, até alcançarem a outra margem do rio. Grande foi a consolação dos peregrinos ao verem que os dois Seres Resplandecentes os esperavam. Após os saudarem, os seres celestes dizem:
- Somos espíritos ministradores, enviados para servir àqueles que herdam a salvação.
     Após deixarem suas vestes mortais, cheios de consolação por haverem atravessado o rio e por terem a seu serviço tão gloriosos companheiros, os peregrinos passam a subir uma grande montanha, conduzidos pelos braços dos Seres Resplandecentes. Transpõem as nuvens e as regiões da atmosfera, e percorrem velozmente o espaço infinito rumo à Jerusalém Celestial. Enquanto se aproximam das regiões celestes, os Seres Resplandecentes vão dizendo:


CAMINHANDO COM OS ANJOS RUMO À CIDADE DE DEUS
    - Já estais perto do Paraíso de Deus, onde vereis a Árvore da Vida e comereis do seu fruto imarcessível. Recebereis, quando entrardes, vestidos brancos, e o vosso trato e conversação com o Rei durará por toda a eternidade. Não tomareis a ver ali o que vistes e sentistes na região inferior da Terra, isto é, dor, enfermidade, aflições e morte, porque tudo isso pertence ao passado (Isaías 65.16,17). Ides juntar-vos com Abraão, Isaque, Jacó, e com os profetas, a quem Deus livrou do mal futuro, e descansam após haverem andado em justiça. Ides receber consolação por todos os vossos trabalhos, e gozo por toda a vossa tristeza. Recolhereis o que semeastes, isto é, o fruto de todas as vossas orações, lágrimas e sofrimentos que pelo Rei passaste no caminho da vossa peregrinação.
    Voando velozmente, eles vão se aproximando cada vez mais da cidade cujo brilho é superior ao do sol, e em cujas ruas calçadas a ouro, passeia um grande número de salvos, com coroas na cabeça, palmas e harpas de ouro nas mãos, entoando louvores.
    Os Seres Resplandecentes continuam a enumerar as bênçãos que aguardam Cristão e Esperança.
    - Os vossos olhos regozijar-se-ão contemplando o Altíssimo, e os vossos ouvidos deleitar-se-ão com a doce voz do Pai Eterno. Ser-vos-ão dadas vestes de glória e majestade, e quando o Rei da Glória voltar à terra, nas nuvens, ao som da trombeta, como sobre as asas do vento, vireis com Ele. Quando se assentar no trono do julgamento, assentar-vos-eis a seu lado; quando pronunciar a sentença contra os que obraram iniquidade, sejam anjos ou homens, tereis também voz nesse julgamento; e, quando voltar para a Cidade Celestial, regressareis com Ele ao som da trombeta e ficareis com Ele para sempre.
    Ao se aproximarem da porta da entrada da Jerusalém eterna, uma multidão das hostes celestiais sai ao encontro deles, perguntando:


ENTRANDO PELAS PORTAS DA JERUSALÉM CELESTIAL
    - Quem são estes e de onde vêm?
    - São homens que amaram o Senhor Jesus Cristo quando estavam no mundo, e tudo deixaram pelo seu santo nome. Agora eles poderão contemplar o seu Redentor face a face, com grande e indescritível alegria - respondem os Seres Resplandecentes.
    A multidão, com voz de júbilo, exclama: "Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro" (Apocalipse 19.9).
    Sobre a porta da cidade estão gravadas com letras de ouro as seguintes palavras: "Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direito à Árvore da Vida, e possam entrar na cidade pelas portas" (Apocalipse 22.14).
    Os peregrinos recebem então vestidos que resplandecem como o ouro; recebem também harpas e coroas, e passam a encher os espaços com suas melodias, por toda a infinita Jerusalém Celestial.
Jefferson Magno Costa

4 comentários:

  1. Pastor Jefferson
    Estou com o livro O Peregrino em mãos e tomei contato do texto aqui postado, o qual retirei uma parte e coloquei nas observações que fiz em meu blog http://www.retalhosdeleituras.blogspot.com/. A leitura realmente é dignificante. O texto literário esmeradíssimo. Absorvo palavra por palavra. Valeu a espera. Obrigada por este rico texto.

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  2. Pastor Jefferson
    Neste instante, ao ler as palavras tão delicadas a mim direcionadas, sinto profunda gratidão. A Deus por ter proporcionado este encontro - sabedor que Ele é do desejo que tenho em aprender da Sua Palavra, cada vez mais, mas não me apartar da literatura, da história, das biografias, dos temas motivacionais e o irmão versa tranquilamente entre todos e mais. Ao pastor minha gratidão por trazer a público tão rico legado, não se atendo somente aos livros, mas ao cuidado deste espaço, o qual tem um alcance mais rápido em todo o hemisfério. Tenho procurado ler muitos artigos aqui registrados. Confesso que ainda faltam comentários a alguns, dos quais me surpreenderam sobremaneira, a pesquisa, o cuidado nos exemplos, o declinar nomes, como foi o da seite hindu. Obrigada sempre. Sobre o livro O Peregrino, sua leitura tem me surpreendido a cada página. Degusto palavra por palavra, sei que ao término irei voltar a releitura.

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  3. Irmã Inajá. obrigado digo eu pela sua percepção aguda, e por ter publicado alguma coisa desse artigo no seu blog retalhosdeleituras. Com todo respeito aos demais leitores e amigos, você é a principal leitora do blog Sublime Leitura.

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  4. Irmã Inajá, fora de qualquer parâmetro de comparação, das pessoas cultas e dotadas de bom gosto que têm lido as matérias deste blog, a irmã é a pessoa que mais tem agregado valor a ele pelo número e pelo nível de seus comentários, sempre muito perspicazes e abalizados. A irmã sabe o que diz, e por isso fala com propriedade. Muito obrigado por todas as suas palavras de incentivo. Têm tido um efeito muito salutar sobre esse articulista que lhe escreve agora.

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