terça-feira, 28 de setembro de 2010

VOZES DA POESIA EVANGÉLICA 2

Jefferson Magno Costa

ROTA DA MADRUGADA
Clélia Inácio Mendes

Quando
a madrugada quis surgir
ouvi
os soluços de Pedro
através dos muros de medo
que me cercaram.

Quando a madrugada se elevava,
o choro
claro e dorido de Pedro
martelava na minha alma
os pregos do madeiro
erguido ao longe.

Quando
a madrugada queria nascer
eu fui Pedro.
Meu choro abafou o da Montanha
que abalada pereceu!

     O poema Rota da madrugada toca profundamente em um ponto crucial do nosso relacionamento com Cristo – nossa fidelidade a ele, e levanta diante de nossa consciência cristã marcada pelo peso e a significação de seu sacrifício na cruz, o grande problema da possibilidade – que jaz aos pés de todos nós, cristãos-evangélicos – de algum dia virmos a negar ao Senhor.

    Este poema me faz lembrar de um conto que li há muito anos em um velha antologia de escritores orientais. Creio que seu autor era o russo Tchekov – um dos mais geniais contistas de todos os tempos, na linha de abordagens psicológicas. O enredo era simples; girava também em torno de uma negação em oculto.

    Era noite de Natal. Protegendo-se da tempestade de neve que caía lá fora, um rapaz hospedou-se em uma casa à beira da estrada, e pôs-se a contar à duas mulheres que o escutavam atentas, a história de Jesus –de como Judas o traiu, de como Pedro o negou. Em determinado momento, o rapaz interrompeu a história diante do pranto inesperado e incontido de uma das mulheres. Era com se ela tivesse traído ocultamente alguém, ou negado alguma vez o próprio Jesus.

     Quantos de nós, caso tivéssemos nos envolvido na mesma situação em que Pedro se envolveu, agiríamos de forma diferente da que ele agiu? Aqui, do alto deste distanciamento histórico em que estamos, é fácil acusarmos de covarde, de medroso àquele homem queimado pelo sol da Palestina, aquele pescador acostumado com a rudeza das pescarias e com os perigos do mar.

    Que faríamos nós ao nos vermos cercados pelos “muros de medo” que circundavam Pedro, pelas mesmas circunstâncias que envolveram o homem que, horas antes, protestando aberta e corajosamente contra a prisão de Jesus, desembainhara a espada e cortara a orelha de Malco?

    Quantas de nossas atitudes e fraquezas, diante do mundo e de nossas consciências, não se constituem em deslavadas traições ao maravilhoso Salvador! E observemos que Pedro chegou até a afirmar: “Ainda que seja necessário morrer contigo, não te negarei”, Mt 26.35.

    Dando provas de uma sensibilidade poética genuína, Clélia Inácio Mendes reinterpreta, em outro poema, todo o episódio da negação de Pedro recriando a fala de Jesus:

A PEDRO
Mt 26.31-35

Quando a noite
beijar os muros das cidades
e o canto do galo soar como gemido

Lembra-te Pedro,
estarei só!

     A traição de Judas foi também alvo da fina sensibilidade da poetisa portuguesa Clélia Inácio Mendes. Tocando suavemente os contornos sensíveis daquela hora extrema, ela conseguiu recriar o quadro sentimental e psicológico daquele momento, quando Judas, em troca de 30 moedas, traiu o Mestre e enveredou por um caminho de perdição eterna:

ISCARIOTES
Mt 26.14-16

O céu se cobria de rapinas
e na terra havia sombras inquietas.

Cortando a noite
a voz de Iscariotes agitava os salgueiros
onde alguém esquecera o pranto
e uma velha harpa
que começara tangendo.

     Clélia também enfoca poeticamente o julgamento de Jesus, reconsiderando a situação produzida pela ignorância do povo, uma situação muito bem definida pelo próprio Salvador: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem...” O emprego do pronome indefinido com relação a Jesus – “Está um Deus...” – justifica-se pelo desconhecimento, por parte do povo, do que realmente significava aquele julgamento, aquela condenação, aquela morte de cruz, aquele sacrifício do Filho de Deus, o estar Deus entre nós.

NO SINÉDRIO
Mt 26.57-68

Está um Deus entre os homens
e são as correntes
que O saúdam
e as pancadas que O acariciam.

Está um Deus entre o povo
e são de raiva e ira
as vozes que O aclamam.

Jefferson Magno Costa

VOZES DA POESIA EVANGÉLICA 1

     O nascimento, o ministério, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo representam o alicerce do cristianismo. Cristo não foi uma pessoa a mais a fundar uma religião, mas o Único que, com o seu sangue, abriu para os povos o verdadeiro caminho de salvação que conduz ao Céu. No decorrer de quase dois mil anos, o cristianismo tem inspirado inumeráveis obras entre os seres humanos.
     Com o intuito de dar um toque poético a este blog, reunimos alguns poemas sobre a crucificação de Jesus. São de autoria de poetas que enriqueceram a poesia de temática cristã-evangélica de língua portuguesa: meus saudosos amigos Joanyr de Oliveira (1933-2009) e Gióia Júnior (1931-1996), e o genial e (injustamente) esquecido poeta cearense José de Abreu Albano (1882-1923). Entre eles, inclui um soneto de tendência modernista que escrevi em 1983 (vez ou outra, eu também cometo esses delitos).

SENHOR, EU VEJO
Joanyr de Oliveira

Com alguns pregos
trêmulos e um madeiro
pesado de angústias
e remorsos futuros
feriram-te, Cristo.
Hoje, Senhor, eu vejo.

Todo o peso do inferno
e a humana culpa
sobre ti desabaram
na extrema hora
da amarga colheita,
(mas de plena vitória
sobre os braços da morte.)
Hoje, Senhor, eu vejo.

E eu lá estava, Jesus,
nessa carga de fel
e de agudo silêncio.
Teus olhos em sangue
sobre mim pousaram.
As gotas da fronte
apagaram abismos
de minhas trevas.
Hoje, Senhor, eu vejo.

Vera vida brotou
De tua morte, Cristo.
E as colunas da noite
mergulhadas em pânico
gotejaram seu medo.

Mesmo os céus rasgaram
As cortinas do azul.
Em teu corpo moído,
as máguas e as dores
deste mundo insano,
deste mundo em pântanos,
deste mundo infame.
Hoje, Senhor, eu vejo.

RECONQUISTA UNIVERSAL NO GÓLGOTA
Jefferson Magno Costa

Prego e carne,
têmpora e espinho,
lábios, sede
e sangue

soerguidos em cruz:
por entre pedras,
trapos de véu,
tremores

e túmulos iluminados,
rasgam um caminho,
vertical e límpido.

Equilibram, pesam
e compram
horizontes reencontrados
.
A GRANDEZA DO AMOR DIVINO
José Albano

Amar é desejar o sofrimento,
E contentar-se só de ter sofrido,
Sem um suspiro vão, sem um gemido,
No mal mais doloroso e mais cruento.

É viver desta vida tão isento
E neste mundo enfim tão esquecido,
É por o seu cuidar num só sentido,
E todo o seu sentir, num só tormento.

É viver qual humilde carpinteiro,
De rudes pescadores rodeado,
Caminhando ao suplício derradeiro.

É viver sem carinho nem agrado,
E ser enfim vendido por dinheiro,
E entre ladrões, morrer crucificado.

ENCONTRO
Gióia Júnior

No espaço
sem luz
um traço
seduz –

Reduz
cansaço,
conduz
meus passos

E avisto
o espaço
em luz:

– É Cristo
nos braços
da cruz!

terça-feira, 21 de setembro de 2010

O RASTEJANTE PECADO DA BAJULAÇÃO

Jefferson Magno Costa

Na tradução da Bíblia mais usada entre os evangélicos brasileiros, a Almeida Revista e Corrigida, não existem as palavras "adulador" ou "bajulador", e sim "lisonjeador". Lisonjear é dirigir elogios interesseiros a alguém. O Dicionário Houaiss define lisonjear como “enaltecer com exagero, visando à obtenção de favores, privilégios”.
     Quase todo ser humano é vulnerável ao comentário elogioso, e poucos sabem se defender dos bajuladores. O mega teólogo e grande pregador do evangelho, Aurélio Agostinho (354-430), pregando certa vez sobre os bajuladores, disse magistralmente: "Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem".
     Todos nós estamos muito mais prontos para ouvir uma palavra de elogio, mesmo sendo mentirosa, do que cem palavras de exortação.      O rei Henrique IV, da França, resumiu essa nossa vulnerabilidade ao dizer: “Apanham-se mais moscas com uma colher de mel do que com vinte tonéis de vinagre”.
     O livro de Provérbios nos dá uma importante informação sobre adulados e aduladores: “Aos generosos muitos o adulam, e todos são amigos do que dá presentes” (ARA, 19.6). E o apóstolo Judas comenta porque os aduladores agem como agem: “...são aduladores dos outros, por motivos interesseiros” (Jd v.16).


O BAJULADOR CARREGA O BAJULADO NO COLO OU NAS COSTAS
     Na tradução Almeida Revista e Atualizada, da Bíblia, os lisonjeadores são chamados de "bajuladores" e "aduladores". Bajular vem da palavra latina bajulo, e significa “levar algo ou alguém no colo ou nas costas”. O curioso é que, na verdade, o bajulado é quem leva o bajulador nas costas.
     O fabulista francês La Fontaine dizia que “todo bajulador vive às custas de quem o escuta”. A bajulação é um comércio de mentiras que, pelo lado do bajulador, apóia-se no interesse, e pelo lado do bajulado, apóia-se na vaidade.
     Não devemos confiar em quem elogia tudo quanto dizemos. Essa pessoa geralmente é perniciosa, perigosa, e tem segundas intenções.
     Em 1Tesssalonicenses 2.5, para não ser confundido com os bajuladores, Paulo declarou: “A verdade é que nunca usamos de linguagem de bajulação, como sabeis, nem de intuitos gananciosos. Deus disto é testemunha”.
     O livro de Provérbios avisa que “o homem que lisonjeia a seu próximo arma uma rede aos seus passos” (Pv 29.5), e que “a língua falsa aborrece aquele a quem ela tem maravilhado, e a boca lisonjeira opera a ruína” (Pv 26.28).


O BAJULADOR AGRADA O BAJULADO FESTEJANDO-O COMO CÃES
     Adular é a forma portuguesa do vocábulo latino aduláre, e significa, etimologicamente, “o movimento que o cão faz com a calda ao se aproximar do dono” (Dicionário Houaiss).
     Três séculos antes do nascimento de Jesus Cristo, o filósofo grego Antístenes advertira: “Nada é tão perigoso como a adulação. O adulado sabe que o adulador mente, mas continua a lhe dar ouvidos”.
     O salmista Davi diz no Salmo 12.2: “Cada um fala com falsidade ao seu próximo; falam com lábios lisonjeiros e coração dobrado”. O termo coração dobrado significa, no original hebraico, “pessoa que diz uma coisa, mas sente outra”. No versículo seguinte (v. 3) o salmista diz que “o Senhor cortará todos os lábios lisonjeiros”.
     Davi fala também dos que buscam a Deus com insinceridade de coração: “Todavia, lisonjeiam-no com a boca e com a língua lhe mentiam. Porque o seu coração não era reto para com ele, nem foram fiéis ao seu concerto” Sl 8.36,3.
     Mas qual seria a verdadeira intenção do bajulador? Salomão revela: “Trabalhar para ajuntar tesouro com a língua falsa” (Pv 21.6). E Isaías extrai dos próprios bajuladores uma surpreendente confissão reveladora de suas condutas mentirosas: “...pusemos a mentira por nosso refúgio, e debaixo da falsidade nos escondemos” (Is 28.15). Que Deus nos guarde dos bajuladores.
Jefferson Magno Costa

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A ATITUDE QUE OS PRIMEIROS SERES HUMANOS TINHAM QUANTO À EXISTÊNCIA DE DEUS AO SEPULTAREM OS SEUS MORTOS

Jefferson Magno Costa
    
Todos os vestígios que os primeiros seres humanos deixaram concernentes à maneira como eles enterravam os seus mortos, revelam que eles criam na existência de Deus e na vida após a morte. Esses vestígios também evidenciam que só o ser humano é dotado de recursos intelectivos que o tornam capaz de avaliar o que realmente significa morrer.
     O animal irracional, mesmo sendo levado pelo instinto de sobrevivência a fugir de tudo o que ameace a sua vida, é incapaz de compreender o profundo significado da morte. O filósofo francês Voltaire escreveu em um dos verbetes do seu Dicionário Filosófico, que “de todas as espécies, só a humana sabe que deve morrer, e o sabe por experiência”.
     Estudos realizados com animais em cativeiro provaram a completa incapacidade de esses animais entenderem as profundas implicações ligadas à morte. O renomado antropólogo George Siegmund fez um desses estudos, e eis suas conclusões:
     “Às vezes é possível observar, num jardim zoológico, que as macacas-mães nem percebem a morte de seus filhotes, e continuam carregando-os durante dias, limpando-lhes o pelo e ‘lavando-lhes’ o rosto. Não entendem, evidentemente, que seus filhotes não vivem mais, e que elas passaram a ocupar-se com filhotes mortos. Só quando o pequeno cadáver começa a apodrecer, a cheirar mal, a ficar disforme, é que desaparecem os fatores que liberam o instinto maternal. A ‘fiel’ macaca simplesmente afasta-se de seu filhote morto, e não mais se preocupa com ele. Já que a mãe-animal não tem capacidade intelectiva de perceber o significado da morte do seu filhote, não vive também a experiência tragicamente humana da dor da separação”.

COMO OS PRIMEIROS SERES HUMANOS SEPULTAVAM OS SEUS MORTOS
     Todavia, quanto ao comportamento, nesse particular, dos primeiros seres humanos que habitaram a terra, todos os indícios revelam que eles sepultavam os seus mortos sentido a dor da separação e crendo na vida após a morte. Para eles, morrer seria uma espécie de adormecimento. Daí a razão de sepultarem seus mortos na posição de quem dorme (o corpo deitado de lado, os joelhos dobrados à altura do queixo.) Cuidavam de maneira humana de seus entes falecidos, não os deixando abandonados ao relento, à mercê das intempéries e dos animais ferozes. A determinação divina registrada na Bíblia: “Pois és pó, e ao pó te tornarás” (Gn 3.19) produziu profunda impressão no coração dos primeiros povoadores da terra. Johanes Maringer (Os Deuses do Homem Pré-Histórico, p. 118) afirma que “no solo das grutas faziam-se covas com muito esforço e muito cuidado; e os cadáveres depositados, ora na ‘posição do sono’, ora estendidos de costas, ora em posição sentada, eram rodeados por um protetor acúmulo de pedras”.
     Junto com os mortos eram sepultados objetos variados, como machados de pedra, flechas, enfeites e alimentos, pois, segundo observação de outro grande estudioso do passado da humanidade, Lois Figuier, quem depositou aquele corpo ali “quer que aquele que adormeceu na morte possa, ao despertar, caçar ainda o mamute e o grande urso. Deixa-lhe, portanto, armamentos e até provisões de carne, membros despedaçados de urso e de cavalo, para lhe servirem de alimento durante a grande viagem às terras ignotas.
“Como este último fato faz-nos admirar o nosso mais antigo antepassado! Os primeiros homens criam na imortalidade da alma, esperavam uma vida futura melhor do que a existência de lutas e misérias, que era o quinhão deles aqui na terra. O primeiro homem cria na existência de Deus!
     “Eu te saúdo, ó meu irmão, e estendo-te a mão através da imensidade dos tempos desaparecidos! O teu conhecimento é limitado, e tua inteligência ainda não foi suficientemente treinada. Mas o tempo e a revelação e Deus saberão aperfeiçoá-las e alargá-las. Essa pequenina luz crescerá e brilhará mais e mais no decorrer dos tempos” (O Homem Primitivo, pp. 134,135).
     Os primeiros seres humanos também lançavam ocre (espécie de barro vermelho, quase uma tinta) sobre os cadáveres, antes de eneterrá-los, querendo com isto simbolizar a continuação da vida, do “sangue sobrenatural que desafia o tempo”, segundo a curiosa expressão de Paul Chalus. Costumvam também deixar pequenas fendas nas sepulturas por onde a água da chuva pudesse penetrar e aliviar a sede do morto.
     Foram encontrados também esqueletos de mortos com o rosto voltado para o fundo da sepultura, e isto provavelmente representava a crença de que a saída para o outro mundo estava naquela direção, pois o Além, conforme acreditavam centenas de povo antigos, estaria localizado em uma região sob a terra.
     Portanto, a sepultura não era tida como uma prisão em que o morto ficava encerrado, preso para sempre sob um monte de areia e pedras, mas uma porta aberta para uma nova vida, que começava para além daquele estreito lugar.
     Esta foi a pálida concepção que a humanidade conseguiu formular, antes do Dilúvio, sobre Deus e a eternidade. Portanto, nesses tempos antiguíssimos, podemos vislumbrar a forma como os primeiros seres humanos cultuavam o "Ser Supremo", e que atitude assumiam diante da morte. No decorrer dos séculos, o distanciamento que os primeiros seres humanos tiveram de Deus, a impiedade, a crueldade, a imoralidade e o satanismo se alastraram tanto entre os descendentes de Adão, que foi necessário o Senhor exterminá-los de sobre a face da terra através do Dilúvio, tendo Deus antes escolhido uma família em cujo seio a Revelação Inicial seria preservada.
     A história das religiões após o Dilúvio não é outra coisa senão a história da decadência religiosa da humanidade cada vez mais afastada de Deus. Se Jesus Cristo não tivesse descido das celestiais alturas para inaugurar o mais sublime capítulo da grande trajetória do homem sobre a face da terra, hoje só nos restaria historiar a evolução do engano, a evolução da lepra do pecado e os resultados do seu contágio entre os seres humanos, sem nenhuma esperança, sem nenhuma remédio, sem nenhum resgate.
     Porém, “o Sol nascente das alturas” – Jesus Cristo – nos visitou e está entre nós, “para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, e dirigir nossos pés pelo caminho da paz!”, Lucas 1.78-79.
Jefferson Magno Costa

sábado, 18 de setembro de 2010

A PEDRA FERIDA PELA INGRATIDÃO NÃO PRODUZIU FAÍSCAS: JORROU ÁGUA

Jefferson Magno Costa
    Jesus foi o maior alvo de ingratidão em toda a Bíblia e em toda a história da humanidade. Deus entregou seu Filho para resgatar o escravo; condenou o inocente para perdoar o culpado; quebrou o diamante para consertar o barro; fez o Criador sofrer para que a vil criatura não padecesse eternamente.
     E como o homem agradeceu a Deus essa demonstração de amor? Rejeitando o seu Filho, traindo-o, vendendo-o, pregando-o numa cruz. Maior ingratidão não poderia haver. Porém, a ingratidão não interferiu ou enfraqueceu a intensidade do amor de Jesus para conosco.

EM VEZ DE PRODUZIR FAÍSCAS, A INGRATIDÃO PRODUZIU ÁGUA
     Quando os filhos de Israel caminhavam pelo deserto rumo à Terra Prometida, e a sede daquela imensa multidão apertava, sempre surgia no lugar onde eles estavam uma rocha da qual brotavam ribeiros de água. Falando sobre esse milagre, o apóstolo Paulo diz: "E beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo", 1Co 10.4.
     Ora, se fôssemos considerar o número de ingratidões que o povo cometia a todo instante contra Deus, não era de se admirar que Cristo se apresentasse como pedra diante daqueles ingratos, pois não há nada que petrifique e endureça tanto o coração de alguém como a ingratidão. Porém, Jesus nunca respondeu à ingratidão com ingratidão. O que teria levado então o apóstolo Paulo a compará-lo com a rocha da qual brotava água?
     O próprio texto bíblico nos dá a resposta. Estando Israel no deserto de Zim, a multidão teve sede e o Senhor disse a Moisés que falasse à rocha, e dela sairia água para o povo beber. Porém, irado diante das muitas ingratidões do povo, Moisés levantou o cajado e bateu na rocha duas vezes, e, assim mesmo, dela jorrou muita água, Nm 20.11.
     Essa pedra, no original hebraico, é a mesma que na língua portuguesa os dicionários chamam de "pedra-de-fogo", "pedra-de-raio", "pedra capaz de produzir centelha quando percutida ou atritada, muito usada em antigas peças de artilharia, espingardas e isqueiros" (Dicionário Houaiss).
     O normal desse tipo de pedra é produzir faíscas quando recebe pancadas. Mas uma pedra que, ao receber pancadas, responde com água e não com faíscas, essa pedra não é pedra, é Cristo. Ele é o único que responde às pancadas da ingratidão com rios de águas misericordiosas que matam a sede até dos ingratos.

OUTRA VEZ A ROCHA DE DEUS DIANTE DA INGRATIDÃO
     Aquelas duas pancadas que Jesus, a Rocha de Deus, recebeu do cajado de Moisés repetiram-se no Novo Testamento. Desta vez os dois golpes atingiram o coração de Jesus, e foram dados por Judas que o traiu, e por Pedro que o negou. E outra vez, em lugar de sair fogo daquela rocha, saiu água. Em vez de liberar de si labaredas de fogo para consumir aqueles dois discípulos ingratos, Jesus curvou-se diante deles com uma bacia de água nas mãos, e lavou-lhes os pés (Jo 13.5).
     Jesus lavou os pés de todos os discípulos, mas o evangelista João só menciona o nome de dois deles, Judas e Pedro (Jo 13.2,5,7,8). Por quê? Porque foram Judas e Pedro que cometeram os dois maiores atos de ingratidão contra o Senhor, e eram os que mais necessitavam de sua misericórdia.
     Aqueles mesmos pés de Pedro que Jesus lavou, levaram o discípulo a seguir covardemente o Salvador de longe, e o conduziram até o pátio do palácio, onde por três vezes Pedro negou a Cristo. Aqueles mesmos pés de Judas que Jesus lavou, conduziram o discípulo infiel até o local onde ele vendeu o Mestre, e em seguida guiou os homens que o prenderam no Getsêmani.
     Porém, diante daqueles dois ingratos, Jesus não mudou sua natureza misericordiosa e amiga. Quem recebeu maior destaque durante a Ceia? Foi Judas. E quem recebeu maior destaque após a Ressurreição de Jesus Cristo? Foi Pedro.
     Durante a Ceia, Jesus molhou o pão e o deu a Judas (Jo 13.21-30). Apesar de ter sido usado para assinalar quem o trairia, molhar o pão no vinho e entregá-lo na mão de alguém durante uma refeição judaica era sinônimo de extrema consideração e muito amor pela pessoa que fosse alvo daquele gesto.
     Após a Ressurreição, o anjo falou às mulheres: "Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro...", Mc 16.7. Aos ingratos e traidores, Jesus respondeu com distinção e amor. Grande lição para nós. Quem de nós será capaz de imitar esse exemplo?
Jefferson Magno Costa

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

OS MAIS ANTIGOS VESTÍGIOS DE CULTO RELIGIOSO A UM ÚNICO DEUS

Jefferson Magno Costa
  
      As mais antigas provas que confirmam a existência de um culto religioso a um único Deus por parte dos primeiro seres humanos foram encontradas no interior de algumas cavernas.    Entre elas destacam-se a caverna de Chu-Tien, na China, e a que é conhecida como Cova do Dragão, localizada em Saint Gallen, na Suíça.
     Foi no interior dessa última que o antropólogo Emil Bächelar descobriu ossos longos e crânios de ursos enterrados. A forma curiosa como aqueles ossos haviam sido depositados ali levou Bächelar a enunciar prudentemente a hipótese de que se tratavam de vestígios de um culto religioso.
     Os caçadores de urso do paleolítico tinham sepultado, nessas e em outras cavernas, com os focinhos sempre voltados para a direção onde nasce o Sol, os crânios dos ursos sacrificados. Isso indicava, conforme a conclusão de Bächelar, que o homem daquela época cria na existência de Deus, e o Sol era um de seus símbolos. “Trata-se aqui de um lugar de culto e de sacrifícios que os primeiros homens ofereceram a Deus”, concluiu o antropólogo.
     Mas que motivo teria levado muitos dos mais antigos habitantes da terra a se utilizarem de cavernas como locais de culto, e a depositarem nelas ossos de animais de caça? O motivo é curioso e simples, segundo comentário do antropólogo Paul Chalus: “Esses lugares subterrâneos, cheios de formas estranhas, de fontes e de reflexos, de sussurros e de ecos desusados e desconhecidos na superfície da terra, ‘sobrenaturais’, transformavam-se, na imaginação dos primeiros seres humanos, em portas para o outro mundo, em lugares nos quais eles podiam tentar algum contato com Deus” (El Hombre y la Religion: Del Paleolítico al Primer Milenio Anterior a Nuestra Era. p. 45).
     O atento e minucioso estudo do interior dessas cavernas confirma o comentário de Paul Challus. Vários indícios mostram que os primeiros homens as consideravam com símbolos naturais do “Grande Mistério”, como uma espécie de santuário. Falando do local onde descobriu esses vestígios de culto realizado pelos primeiros homens, Emil Bächelar diz que “partes dificilmente acessíveis, que estavam na escuridão completa ou apenas debilmente iluminadas por uma luz bruxuleante, causam ainda hoje às pessoas que entram nelas uma impressão misteriosa”.

SACRIFÍCIOS DE PRIMÍCIAS
    Após essa importante descoberta realizada por Emil Bächelar, outro antropólogo, Osvald Menghin, apresentou um estudo afirmando que os crânios e os ossos longos de ursos encontrados nas cavernas representavam a mais antiga forma de culto de agradecimento do homem pré-histórico ao Ser Supremo.
     Em seguida, o renomado Guilherme Schmidt concluiu, após longos estudos, que aqueles ossos simbolizavam “sacrifícios de primícias”, e esclareceu: “Já a mais antiga religião comum da humanidade conhecia e praticava o sacrifício de primícias, e só este sacrifício, como elemento geral na prática de sua cultura religiosa.”
     Tais sacrifícios, segundo a conclusão a que o grande estudioso austríaco chegou na sua magistral obra A origem da Ideia de Deus, eram oferecidos ao Ser Supremo. Diante destas descobertas (tão importantes para os estudiosos da Bíblia), Georg Siegmund fez estas profundas reflexões:
     “O sacrifício de primícias representa um reconhecimento do dever de homenagem ao Dono e Proprietário Supremo da Vida, que mandou o animal que foi caçado. Ao agradecimento pela presa de caça conseguida, une-se o pedido de o Ser Supremo proporcioná-la outra vez no futuro. As ofertas de sacrifício provêm sempre do mundo dos seres vivos; são plantas ou animais de que o explorador da vida selvagem se apropriou como alimentos para viver a sua própria vida” (A Crença do Homem Primitivo, p. 75).
     O fato de esses sacrifícos ser "de primícias", e nesses sacrifícios ter havido participação de elementos do reino vegetal e componentes do reino animal nos faz lembrar o episódio que envolveu Caim e Abel (Gn 4.2-11), quando, apresentando a Deus como oferta seus "sacrifícios de primícias", fizeram uso das “primícias do campo” (componente vegetal) e das “primícias do rebanho” (componente animal). Isto se constinuem em mais uma prova da admirável fidelidade da Bíblia quanto ao registro das primeiras práticas religiosas do ser humano!
Jefferson Magno Costa

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

QUAL FOI A RELIGIÃO DO PRIMEIRO SER HUMANO QUE HABITOU A TERRA?

Jefferson Magno Costa    
Procurar informações sobre o passado religioso da humanidade equivale a nos debruçarmos sobre um poço escuro e profundo, cujas águas só podem ser alcançadas com muita paciência e em pouca quantidade. Quem se debruça sobre esse poço deve estar consciente de que suas águas são escassas, porém suficientemente cristalinas para confirmar o que diz a Bíblia sobre o passado religioso dos primeiros seres humanos.
    Sondemos cautelosamente esse poço à procura de vestígios da crença dos primeiros homens sobre Deus, sobre as formas como o cultuavam, e como reagiam diante da morte. Procuremos também descobrir como a idolatria entrou no mundo. Nessa sondagem devemos ser cautelosos para não perdermos nenhuma gota dessa água que aí está há milhares de anos.
     Se a sombra do nosso corpo (esse barro que nos impede de subir às alturas ou sondar os abismos) não interceptar a passagem da luz que desce até a superfície das águas, que imagem veremos refletida no fundo do poço? O primeiro homem à procura do seu Deus! Posso vê-lo daqui, esse homem de alma pura, caminhando sobre um solo ainda virgem de outras pegadas humanas.
     Solitário e grandioso nos seus pensamentos, e coroa da Criação, esse homem está pronto para a infelicidade e o infortúnio quando lhe surgir, como companheira, a primeira mulher. Posso vê-lo com um semblante semelhante ao meu e ao dos meus irmãos que hoje povoam a terra, e não como um ser meio gente, meio animal, dotado de costumes brutais, caminhando curvado, armado de tacape, comunicando-se através de grunhidos ininteligíveis e comendo carne podre.
     Não, esse não é o meu antepassado, não é o homem que Deus criou para, através dele e da companheira que lhe deu, iniciar a raça humana. Um ser assim, primitivo e animalesco, nada tem da imagem e semelhança  de Deus (Gn 1.26-27), e tampouco seria capaz de ouvir a Sua voz (Gn 3.8).
     Adão deu nome “a todos os animais domésticos, às aves do céu e a todos os animais do campo”, Gn 2.19,20, e isto não poderia ter sido realizado por um homem de cérebro subumano, animalesco. Além do mais, seus filhos Caim e Abel possuíam conhecimentos elementares de agricultura e pastoreio (Gn 4.2). Caim foi o primeiro homem citado na Bíblia a edificar uma cidade (Gn 4.17), e Jubal e Tubal-Caim, representantes da sétima geração desde Adão, foram, respectivamente, “pai de todos os que tocam harpa e flauta”, Gn 4.21, e “mestre de toda obra de cobre e de ferro”, Gn 4.22. Portanto, não podemos aceitar que tais homens tenham descendido de “antepassados de espécie inferior”, conforme afirmaram Darwin e seus discípulos.


O DEUS SUPREMO SE REVELOU AOS NOSSOS PRIMEIROS PAIS
     Quanto à concepção religiosa inicial da humanidade, a grande abundância de fatos histórico-religiosos trazidos do fundo desse poço à luz dos nossos dias por centenas de pesquisadores ao longo de vários séculos, prova que a humanidade creu inicialmente em um único Deus. Os “deuses” vieram depois. Eles entraram no mundo pela porta que o pecado abriu na mente e no coração dos primeiros seres humanos.
     O estudioso alemão Georg Siegmund, no seu livro A Crença do Homem Pré-histórico, informa que “entre a maioria dos grupos circulava a crença de que no princípio o Ser Supremo viveu na Terra juntamente com os homens, a quem ensinou o bem e deu suas leis sociais e morais; isto é já uma prova da estreita união entre Deus e os homens. Em quase todos os povos das culturas primitivas existe o significativo ensino de que o Ser Supremo, após haver abandonado a Terra por alguma culpa dos homens, foi para o Céu, que é agora o lugar de sua residência”.
     O fato é que, após criar o ser humano, Deus incutiu nele o seu selo, a sua marca, plantando no seu coração a necessidade de reconhecê-lo como Criador e adorá-lo como Deus. Isto é o que os teólogos chamam de Primeira Revelação ou Revelação Inicial. Porém, a Bíblia mostra (capítulos três e quatro do livro de Gênesis) e a história confirma que essa revelação foi obscurecida pelo pecado.
     Obscurecida, mas não totalmente apagada. Ao estudarmos a religião dos egípcios, assírios, babilônios, cananeus, hindus, persas, gregos, romanos, chineses, japoneses e outros povos, identificamos imediatamente os vestígios desse obscurecimento gradual da primitiva crença em um único e supremo Deus. O livro Eternity in Their Hearts, escrito por Don Richardson, e traduzido e publicado no Brasil pelas Edições Vida Nova, sob o título O Fator Melquisedeque: O Testemunho de Deus nas Culturas Através do Mundo, apresenta uma vasta documentação sobre a existência de vestígios dessa revelação inicial entre os povos. “Deus não se deixou ficar sem testemunho. Pois esse testemunho penetrou nas trevas da impiedade em quase toda parte, até certo ponto”, é a afirmação com a qual Don Richardson poderia resumir seu livro (Op. Cit. p. 42).
     É importante considerar que, meio século antes de Don Richardson apresentar ao público evangélico o resultado de suas pesquisas, o etnólogo suíço Guilherme Schmidt, uma das maiores autoridades mundiais sobre o passado do ser humano, havia publicado o produto de quase 20 anos dedicados ao estudo desse fascinante tema. No seu gigantesco trabalho de pesquisa, Schmidt dispôs as religiões dos povos primitivos em um esquema de ciclos culturais. O resultado foi uma obra dividida em 12 volumes, sob o título A Origem da Crença em Deus.
     Esse incansável pesquisador conseguiu demonstrar, com abundância de detalhes, o grandioso fato de que houve uma primeira revelação de Deus ao homem no início da formação da humanidade, e essa revelação deixou suas marcas em todos os povos, em todas as regiões do mundo. A obra desse etnólogo suíço foi recebida com entusiasmo, respeito e admiração pelos grandes estudiosos da cultura, e contou com o reconhecimento até dos seus adversários ideológicos.
     Outros estudiosos uniram suas vozes à de Guilherme Schmidt, confirmando que essa crença no Ser Supremo sempre esteve presente nos mais antigos povos. Discursando em 1980 para centenas de cientistas na Universidade de Leiden, Alemanha, o renomado antropólogo holandês A. W. Niewwenhius declarou que “a crença no Ser Supremo nasceu da impressão que o mundo como totalidade produziu no homem primitivo, enquanto que a crença nos outros deuses menores nasceu mais tarde, das impressões que os aspectos particulares da Natureza causaram no homem”.


COMO OS “DEUSES” SURGIRAM NA TERRA
     Essa declaração do antropólogo holandês está baseada na seguinte linha de interpretação da conduta religiosa da humanidade: Após a entrada do pecado no mundo, algo de desastroso ocorreu com a crença do primeiro homem no Deus único e soberano. Com exceção de um pequeno grupo, a espécie humana degenerou, ao longo dos séculos, para a crença em vários deuses.
     Impressionados pelos grandes fenômenos da natureza, e sentindo-se pequeninos diante da imensidão do céu, do fulgor do raio, da beleza do pôr-do-sol, da grandiosidade do mar, os descendentes mais afastados de Adão deixaram nascer dentro deles a errônea idéia de que tudo isto não passava de símbolos de Deus, e pensaram: o sol é Deus, o raio é Deus, a tempestade é Deus, o céu é Deus.
     Consequentemente, o céu, o sol, o relâmpago, o trovão, o vento, a água, o fogo, as pedras, a lua, as árvores e os animais passaram a ser cultuados. Surgiu assim o politeísmo, com seus inúmeros deuses representando inicialmente os elementos e os fenômenos da natureza, e depois se estendendo a tudo o que o homem viu dotado de algum poder que ele não tinha. Ao ceder à tentação de fazer para si imagens desses deuses, a humanidade caiu na idolatria.
     Por esse motivo, ao examinarmos atentamente os documentos primitivos das velhas religiões, deparamo-nos com flagrantes idéias contraditórias: junto à crença na existência de um Deus espiritual e elevado, encontramos a crença em deuses materiais e visíveis. Junto à adoração a um Deus único, vemos o culto a inúmeras divindades. Afastando-se do Deus santo e justo, os homens passaram a crer em deuses grosseiros, imorais e cheios de vícios.
     Mas existe outra explicação para esse comportamento dos seres humanos: a multimilenar influência que Satanás e seus anjos têm exercido sobre a humanidade. Além de levar o primeiro casal a cair no pecado, ele aproveitou a natural inclinação que o primeiro homem tinha para admirar e temer os fenômenos e elementos da natureza, e passou a trabalhar na intenção de que o culto que o homem dirigia a esses elementos e fenômenos fosse dirigido a ele e aos demais espíritos que o acompanhavam.
     Portanto, no que diz respeito a mais antiga concepção religiosa do ser humano, a conclusão a que se chega ao examinarmos as afirmações dos historiadores e os testemunhos contidos na Bíblia, é que Adão falou aos seus filhos sobre a existência do Deus supremo e único, e esse conhecimento foi transmitido sucessivamente às novas gerações. A religião da humanidade antes do Dilúvio está fundamentalmente alicerçada nessa crença.
     Todavia, com o passar dos séculos, muitos dos descendentes diretos de Adão saíram em busca de outras regiões onde abundavam a caça, o solo fértil e os frutos silvestres (“Frutificai, multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a”, Gn 1.28), e após peregrinarem durante vários anos, acabaram se isolando completamente das outras famílias estabelecidas nas regiões circunvizinhas ao lugar em que o primeiro casal criara seus filhos, e em cujo meio continuava perdurando o reconhecimento da existência do único Deus Todo-poderoso, como resultado da revelação inicial (a linhagem de Sete foi a que melhore preservou essa revelação, conforme Gênesis 5.1-32).
     Esses grupos humanos isolados, após perderem o contato com as demais famílias, passaram a enfrentar situações dificílimas, lutando com uma natureza sempre hostil. Totalmente afastados de Deus, e esquecidos da primeira revelação, esses grupos caíram na mais bárbara e terrível noite espiritual. Eles se tornaram ao mesmo tempo réus e vítimas da propagação do politeísmo, da idolatria e da superstição: idéias e práticas influenciadas por Satanás.
     Porém, um reduzido número de pessoas continuou guardando o conhecimento do Deus supremo. E antes mesmo de os primeiros povoadores da Terra aprenderem a fazer uso desse poderoso instrumento de registro das ações humanas que é a escrita, já os objetos de pedra, de bronze e de ferro, as paredes lisas do interior das cavernas e a maneira como os mortos eram sepultados continuavam testemunhando a crença dos primeiros homens em um Ser Supremo. E essa crença tem hoje sua existência documentada por escrito.
     Há um livro que nos fala com toda clareza e fidelidade sobre a origem da raça humana, e nos revela que tipo de religião foi inicialmente praticada. Esse livro é a Bíblia. Seus onze primeiros capítulos contêm o que de fundamental e mais confiável podemos conhecer sobre a criação dos céus, da Terra e do ser humano. Em suas páginas nos deparamos com tradições que atravessaram milhares de anos sem corromper-se nem alterar-se, graças à providência do Espírito do Deus, que além de as ter preservado na memória humana, inspirou o homem que lhes deu forma escrita: Moisés.
     Ou aceitamos como verídico o quadro que a Bíblia nos apresenta sobre a origem do ser humano e de sua conduta religiosa inicial, ou rejeitamos a Bíblia e adotamos como correta a teoria de que o ser humano é descendente do macaco, e “cresceu e multiplicou-se” bárbaro, supersticioso, idólatra e desconhecedor do verdadeiro Deus, desde o amanhecer de sua existência. Repudiamos essa teoria, pois ela está em total desacordo com as mais recentes e autorizadas pesquisas antropológicas, e por ser algo que agride frontalmente a Palavra de Deus, precisamente os versículos 26 e 27 do primeiro capítulo do livro de Gênesis.
     À luz das conclusões a que chegaram muitos estudiosos não comprometidos com o darwinismo (o etnólogo alemão cita vários deles no seu livro A Crença do Homem Pré-histórico), a imagem do primeiro homem vem-se tornando cada vez mais humana, mais próxima da Bíblia, e mais afastada da corrente evolucionista.
    Finalizando, não poderíamos deixar de citar as oportunas palavras de um desses autorizados pesquisadores não-darwinistas, o antropólogo J. Kalin: “No lugar do homem primitivo, brutal e animalesco, conforme ele vivia na fantasia de Ernest Haeckel, Charles Darwin e outros, surge a imagem de um homem em cujo rosto desde o princípio sopra o hálito de Deus”.
Jefferson Magno Costa

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

PEDIR: NÃO SABEMOS O QUE PEDIMOS A DEUS, E MUITAS VEZES AS CONSEQUÊNCIAS SÃO DESASTROSAS

  Jefferson Magno Costa
   "Jesus, porém, respondendo, disse: Não sabeis o que pedis...” (Mt 20.22)

     Não há ser humano neste mundo que seja capaz de prever que resultado terá em sua vida a concretização daquilo que ele pede a Deus. Fundamentaremos essa verdade na Bíblia, para que as consequências de minha afirmação sejam de maior e mais seguro ensinamento. A petição existente no texto do Evangelho que acabamos de citar foi de uma mãe em benefício de seus dois filhos. Porém, hoje não nos ocuparemos com o pedido da mulher de Zebedeu, e sim com o pedido de outra mãe em benefício próprio, e dos pedidos de outros dois filhos, cada um visando seu próprio benefício.

O IMPORTUNO PEDIDO DE RAQUEL AO ESPOSO JACÓ
     A mais difícil, a mais importuna e impaciente petição que uma mulher fez neste mundo foi a de Raquel a seu marido Jacó: “Vendo, pois, Raquel que não dava filhos a Jacó, teve Raquel inveja de sua irmã e disse a Jacó: Dá-me filhos, senão morro” (Gn 30.1). Jacó respondeu que só Deus tem poder de dar filhos aos pais. Porém, mesmo sendo esta reposta tão forte e tão conclusiva, ainda assim Raquel não se conformou com ela. Insistia: “Dai-me filhos, ou morrerei”. Certamente Jacó chamava a atenção de Raquel para o fato de ela estar na primavera de seus anos, e que ainda lhe restavam muitos durante os quais podia ter naturalmente o que tanto desejava: filhos.
     Jacó também animava sua esposa com o exemplo de sua avó Sara, que depois de tão longa esterilidade, dera à luz Isaque, pai de Jacó e sogro de Raquel. Porém, a moça tornava-se mais impaciente. Jacó apelava para o elogio e a lisonja, que são poderosos quando a intenção é atingir a fraqueza e a presunção do sexo feminino. Ele dizia a Raquel que olhasse para si e se consolasse com a rosa, a qual, sendo a beleza dos prados e a rainha das flores, é flor que não dá fruto.
     Mas nem a lisonja, nem a razão, nem o exemplo, nem a esperança eram suficientes para moderar a ansiedade de Raquel. “Dai-me filhos, ou morrerei”. Esta era a petição, este o aperto, esta a insistência.
     Como Raquel foi atendida, e quais foram as consequências do seu pedido? Ela foi atendida conforme pedia: teve filhos, mas as consequências foram muito contrárias ao que ela esperava. O que Raquel pedia não era um filho, e sim filhos. E isto Deus lhe concedeu, porque tornou-a mãe de José e de Benjamim. Mas as consequências do seu pedido foram em tudo contrárias ao que ela pedia, porque dando à luz com total felicidade ao seu primogênito José, morreu de parto ao dar à luz o segundo filho, Benjamim.
     Reconsiderem os termos pelos quais Raquel pedia filhos: “Dá-me filhos, senão morro” (Gn 30.1). E enquanto pensava que morreria se não tivesse filhos, foi exatamente porque os teve  que morreu, durante o parto do segundo. Achava que pedia a vida, e pedia a morte. Achava que pedia sua alegria e a alegria para a sua casa, mas pedia a tristeza, o luto, a viuvez, a orfandade. Pedia o que havia de levá-la a trocar sua casa pela sepultura. Tão errados são os desejos e os pedidos humanos. Quando pedimos, mesmo com insistência, cheios de convicção de nossa necessidade, usando argumentos racionais diante de Deus, assim mesmo não sabemos o que pedimos.

SANSÃO E O FILHO PRÓDIGO CAÍRAM EM SITUAÇÃO DE DESASTRE E INFELICIDADE PORQUE NÃO SABIAM O QUE PEDIAM
     Conhecida é a história de Sansão, e conhecida é a história do filho Pródigo. Ambos são famosos pela vida de extravagâncias que tiveram. Deixando de considerar o princípio da narrativa da tragédia de cada um, consideremos o final, e vejamos o estado de extrema miséria no qual cada um caiu indo por caminhos tão diferentes.
     Vocês estão vendo aquele homem robusto e agigantado, com o semblante ferozmente triste, os cabelos cortados, os olhos fundos e sanguinolentos, preso em um cárcere e atado com duas correntes de bronze a uma moenda que ele gira como um animal? Pois aquele é Sansão.
     Vocês estão vendo um moço pálido e pensativo, vestido de farrapos e quase despido, apoiado em um cajado, e tomando conta de um asqueroso rebanho de porcos? Pois aquele é o filho Pródigo.
     Quem haverá que não se admire de tal reviravolta na vida de duas personalidades tão notáveis? Um tão valente, outro tão altivo! Pois é nessa situação que vieram parar as riquezas, os caprichos e a arrogância do filho Pródigo? Mas o pior é que não pararam só nisso, e sim desceram de mal a pior, pioraram dia após dia, por que o filho Pródigo, morrendo de fome enquanto tomava conta dos porcos, não tinha autorização para se alimentar nem mesmo com as bolotas que os porcos comiam.
     E Sansão, após ser derrotado, foi trazido à publico para ser zombado pelo povo. E o trataram com tanto escárnio e indecências, que Sansão preferiu tirar sua vida com as próprias mãos.
     Mas qual teria sido a causa desses acontecimentos, e de mudanças tão extremas? Aqui não lhes peço admiração, e sim pasmo. Essas mudanças de sorte na vida de Sansão e do filho Pródigo foram causadas por eles terem sido atendidos nos pedidos que cada um fez insistentemente.
     Sansão pediu a seus pais que lhe dessem por mulher uma filisteia: “Vi uma mulher em Timna, das filhas dos filisteus; agora, pois, tomai-ma por mulher” (Jz 14.2). Os pais lhe concederam o que ele pediu, e essa mulher foi a causa dos conflitos que Sansão teve com os filisteus, e dos enganos e traições de Dalila, da sua prisão, do seu cativeiro, da sua cegueira, das suas afrontas, e do seu fim lastimável.
     Da mesma maneira, o filho Pródigo pediu a seu pai que lhe desse, apesar de o pai ainda estar vivo, a parte da herança a que ele teria direito quando o pai morresse. O pai concedeu o que o filho pedia, e essa herança, consumida com esbanjamento e irresponsabilidade, foi a causa do seu empobrecimento, da sua miséria, da sua fome, da sua servidão, da sua desonra e das suas humilhações.
     Chamemos agora a Raquel, a Sansão e ao filho Pródigo, a essa mãe e a esses dois filhos, e perguntemos se eles, depois de tão pesadas e contrárias experiências, pediriam o que pediram? Raquel pediria filhos, se soubesse que tê-los lhe custaria a própria vida? Sansão pediria a filisteia, caso soubesse que ela seria a causa de sua derrota, da perda dos próprios olhos com os quais a vira, e de sua morte? O filho Pródigo pediria a herança antecipada se soubesse que com ela haveria de comprar a miséria, a servidão, a desonra? Claro que não.
     Pois se agora não haveriam de pedir nada do que pediram, mas antes o contrário, por que o pediram então? Vocês já sabem a resposta. Pediram-no, porque não sabiam o que pediam. Pediram, porque ninguém sabe o que pede.
     Tendo provado que o certo e infalível é ninguém saber o que pede, tirem para si as consequências quem acha até agora que foi mal atendido nos seus pedidos. Se você soubesse que o que pede resultaria em um grande bem, então teria razão de estar contente ao ver o seu pedido atendido, ou descontente de o ver negado. Porém, ignorando se o que pede resultará em bem ou em um mal, por que fica tão desconsolado? Se me desconsolo porque penso que o que estou pedindo e não recebi ia me resultar em bem, por que também não me consolo ao considerar que o que estou pedindo poderia resultar em um grande mal na minha vida? Principalmente levando-se em conta que, neste mundo, o mal é mais certo de acontecer do que o bem.

DEVEMOS NOS CONTENTAR TAMBÉM COM AS RESPOSTAS NEGATIVAS DE DEUS
     Oh, se soubéssemos o que pedimos! Oh, se soubéssemos o que nos resultará em bem ou o que nos resultará em mal, nós nos consideraríamos muito bem atendidos ao recebermos aquela que muitas vezes classificamos de uma má resposta! O que para nós é bom ou ruim, só Deus o sabe. Nós ignoramos. E esse conhecimento de Deus, e essa nossa ignorância são os dois polos sobre os quais se apoiam a temeridade de nossos pedidos, e a nossa resignação diante das respostas.
    Nós devemos fazer os nossos pedidos como aqueles que não sabem o que pedem, e receber as respostas como vindas da parte dAquele que sempre sabe o que dá, e o que é bom para nós. Pensamos que os homens são os que nos respondem, e por isso murmuramos e nos queixamos deles. Agimos assim porque nos esquecemos que acima de tudo, e no controle de todas as coisas está Deus, como Presidente supremo de todos os lugares onde nossas petições são feitas. É ele que nos dá ou nega o que pedimos, como o único que sabe o que resultará em bem ou que resultará em mal para nós.
     Salomão disse que as sortes não dependem da mão do homem que as tira, e sim da mão do Deus que as governa (Pv 16.33). Se a resposta do que você pediu não veio como você esperava; se você não conseguiu a aprovação naquele concurso, aquela nomeação, aquele novo cargo, aquele aumento, aquele prêmio, aceite isso como resposta vinda da parte de Deus, pois só ele sabe o que lhe convém. Os homens só fazem benefício quando dão; Deus não só faz benefício quando dá, mas também quando nega.

O QUE DEUS QUER NOS ENSINAR QUANDO RECEBEMOS DELE UM “NÃO” OU ALGO CONTRÁRIO AO QUE LHE PEDIMOS
     Disse Jesus certa vez: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á” (Lc 11.9). E para maior confirmação dessa promessa, Jesus acrescentou: “Porque qualquer que pede recebe; e quem busca, acha; e a quem bate, abrir-se-lhe-á” (v. 10). Esse ensinamento não pode ser mais universal nem mais claro, porém, com todo o respeito por quem o proferiu, que foi ninguém menos que o próprio Filho de Deus, Jesus Cristo, peço-lhe permissão para apontar nele uma flagrante contradição, que torna-se muito clara quando consideramos o que acontece todos os dias ao nosso redor. E não há nesse auditório quem não possa testemunhar contra ele com sua própria experiência.
     Quantos senhores de ricas e grandes casas pediram a Deus um herdeiro e não o alcançaram? Quantos pobres, cheios de filhos, pediram para eles o sustento, e não tiveram com que lhes matar a fome? Quantos na enfermidade fizeram votos pela saúde e morreram sem ter alcançado a cura? Quantos, em meio à tempestade, bradando ao Céu, foram engolidos pelas ondas? Quantos no cativeiro, orando continuamente pela liberdade, acabaram morrendo nas prisões e calabouços? E para não irmos mais longe, consideremos o texto que citamos no início desse sermão, que contém o pedido da mãe dos filhos de Zebedeu, pedindo em favor dos seus filhos, e pedindo de joelhos (Mt 20.20). A resposta de Jesus foi um duplo “não”: “Não sabeis o que pedis" (v 22), e "Não me pertence dá-lo...” (v 23).
    Pois se é verdade certa e evangélica, provada e experimentada, que muitos pedem a Deus e não alcançam o que pedem, por que então Jesus diz “Pedi e recebereis”? E por que ele afirma absoluta e universalmente que todos os que pedem recebem? A dúvida não pode ser das mais difíceis, porém é daquelas que pertencem ao grupo das que se alicerçam no mal entendimento ou na errada interpretação do texto bíblico.
     Considerem atentamente o que dizem as palavras de Jesus, e o que não dizem: “Pedi, e dar-se-vos-á (...) porque qualquer que pede recebe” (Lc 11.9,10). Observem que Jesus não disse: “Pedi, e recebereis o que pedis”, e sim: “Pedi e recebereis”. Também não disse: “qualquer que pede, recebe o que pede”, e sim: “qualquer que pede recebe”. E o que é que recebe? O que Deus sabe que será o melhor para a pessoa. Se você pede o que lhe convém, receberá o que pede; mas se pedir o que não lhe convém, receberá um “não” como resposta ao que pediu. Deste modo, qualquer um que pede, recebe. Porque ou recebe o que pede, ou recebe o que não soube pedir, caso soubesse o que é melhor para ele. Quando um homem pede o que não lhe convém, se soubesse o que pedia, pediria que o negassem. Só Deus sabe o que nos convém, e é por isso que ele supre com sua onisciência nossa ignorância, e nos responde muitas vezes com um “não” (como fez aos filhos de Zebedeu), e nos nega o que pedimos.
     Se um filho (diz Cristo, em Lucas 11.11-13) pedir pão a seu pai, este dar-lhe-á uma pedra? Se lhe pedir peixe, dar-lhe-á uma serpente? Ou se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Pois esta é a razão porque Cristo, que nos trata como filhos, nos diz muitas vezes “não”, e nos nega o que pedimos, porque pedimos pedra, porque pedimos serpentes, porque pedimos escorpiões.
     Achamos que estamos pedindo o necessário, e estamos pedindo o supérfluo e o inútil. Achamos que estamos pedindo o proveitoso, e estamos pedindo o nocivo: e isto é pedir pedras. Achamos que estamos pedindo o que vai nos sustentar, e estamos pedindo veneno. Achamos que estamos pedindo o que vamos comer, e estamos pedindo o que vai nos comer. Achamos que estamos pedindo o que nos ajudará a viver, e estamos pedindo o que nos matará: e isto é pedir serpentes e escorpiões. Quando somos tão néscios e tão meninos, que não distinguimos o escorpião do ovo, nem a serpente do peixe, nem o pão da pedra, Deus, que é pai, e excelente pai, por que não haveria de nos negar o que tão ignorante e tão perigosamente pedimos? Oh, felizes são aqueles a quem Deus assim responde, porque sabe que não sabem o que pedem.
     (Trechos do Sermão da Terceira Quarta Feira da Quaresma, pregado em Lisboa, na Capela Real, em 1669, pelo maior pregador da língua portuguesa, Antônio Vieira, aos 61 anos de idade. Adaptado e atualizado para o leitor do século 21).
Jefferson Magno Costa

LONGANIMIDADE: DEUS TEM UMA MEDIDA DE TOLERÂNCIA PARA CADA PECADOR

Jefferson Magno Costa
     Na mente divina existe certa medida de tolerância para com os pecados de cada um. E enquanto essa medida não está cheia, há esperança de perdão dos pecados e de salvação para o pecador. Mas quando essa medida se enche, não há mais nenhuma esperança.
    Deus prometeu a Abraão que daria a ele e a seus descendentes a terra dos amorreus, e por isso a chamou de terra da Promissão. Porém, o Senhor disse a Abraão que aquela promessa só iria se cumprir muitos anos depois. E por quê? É o próprio Senhor quem revela o motivo: “...porque a medida da injustiça dos amorreus não está ainda cheia” (Gn 15.16).
     A longanimidade do Senhor para com aquele povo, sua paciência em esperar que os amorreus se arrependessem e mudassem de atitude, ainda não tinha chegado ao seu limite. Esse foi, portanto, o motivo porque os patriarcas e seus descendentes peregrinaram durante tantos anos pelo deserto, até poderem se estabelecer às margens do rio Jordão: porque a medida dos pecados dos amorreus ainda não havia transbordado.
    Essa foi também a mesma observação que o Senhor Jesus fez aos escribas e fariseus, quando disse que eles, conduzindo-se como sepulcros caiados, cheios de hipocrisia e iniquidade, estavam enchendo a medida de pecados que vinha sendo preenchida pelos pais deles (Mt 23.27-33).
     No profeta Zacarias temos uma ilustração dessa medida da longanimidade de Deus. Um anjo apareceu ao profeta, e disse-lhe que levantasse os olhos e visse o que saía pelas portas de Jerusalém. Zacarias olhou e viu que saía um cesto quadrado (um efa), usado para medir cereais, e após o cesto uma tampa de chumbo, pesando um talento (45 quilos). Havia uma mulher sentada dentro do cesto. O anjo identificou-a como a própria impiedade, derrubou-a dentro do cesto e fechou-o imediatamente com a tampa de chumbo. Em seguida Zacarias viu saírem de dentro da cidade duas mulheres, que tinham asas como de cegonha. Elas ergueram o cesto do chão e o levaram para Sinar (Babilônia), pois ali estava sendo edificada uma casa para o cesto (Zc 5.5-11).
     Até aqui, palavra por palavra, letra por letra, a visão de Zacarias, na qual o Senhor lhe representou a destruição de Jerusalém e do reino de Judá. A cidade seria sitiada pelos exércitos de Nabucodonosor, e os judeus, derrotados e cativos, seriam levados para a Babilônia. E por que o Senhor usou todos esses aparatos e símbolos para representar aquele cativeiro? Para ensinar ao profeta e a todos nós como ele, em sua longanimidade, procede com relação aos pecados que as nações, os povos e as pessoas cometem.
     Na visão de Zacarias, a primeira coisa que aparece do juízo de Deus é o cesto, ou a medida da longanimidade que o Senhor tem para com os pecados das nações e das pessoas. Enquanto essa medida não está cheia, o castigo é mantido suspenso pela misericórdia de Deus. O Senhor espera sempre que o pecador se arrependa, pois ele não tem prazer na morte do ímpio (Ez 33.11). Porém, a partir do momento em que essa medida se completa, o castigo divino desaba sobre o pecador.
     E esse é o significado do que fez o anjo com a mulher chamada Impiedade: trancou-a dentro do cesto, pois ela representava todas as idolatrias, sacrilégios, roubos, homicídios, adultérios, todas as injustiças e crueldades que Israel estava praticando diante de Deus. A medida transbordou, e por isso o anjo lacrou-a imediatamente com tampa de chumbo, tão pesada que nem para diminuir, nem para aumentar o conteúdo do cesto, era possível abri-la. Estando a medida cheia, agora só restava a execução do castigo.
     E quem eram aquelas duas mulheres com asas de cegonha, que sem tocar a terra, mas deslocando-se velozmente pelo ar, levaram o cesto de Jerusalém para Babilônia? Representavam a misericórdia e a justiça divinas. A misericórdia que suspendera o castigo do Senhor até o limite máximo de sua longanimidade; e a justiça, que voava agora para a executar o castigo. Se os homens se arrependessem da multidão dos seus pecados, a misericórdia os perdoaria. Porém, por eles não se arrependerem e encherem de pecados a medida da longanimidade de Deus, a justiça não pode deixar de executar o castigo. Deus é misericórdia, mas também é justiça.
     Assim como a longanimidade de Deus tem estabelecido certa medida para os pecados de cada cidade, reino ou país, assim também tem estabelecido uma medida para os pecados de cada ser humano. Porém, essa segunda medida deve ser mais temida que a primeira, porque as cidades, os reinos e os países não vão para o inferno, mas os seres humanos vão.
     Outro detalhe que devemos levar em conta é que a medida dos pecados é maior para uns, e menor para outros. E nisto não há injustiça alguma no arbítrio da Providência Divina. É suma justiça. Senão, vejamos: Deus também põe medida aos dias da vida de cada pessoa. Sobre isto, Davi fez um pedido a Deus: “Faze-me conhecer, Senhor, o meu fim, e a medida dos meus dias qual é, para que eu sinta o quanto sou frágil” (Sl 39.4).
     E esta medida é tão certa e determinada, que chegado o último dia, não há como fugir dele, conforme comentou Jó: “O homem, nascido de mulher, é de bem poucos dias e cheio de inquietação. Sai como a flor e se seca; foge também como a sombra, e não permanece (...) Visto que os seus dias estão determinados, contigo está o número dos seus meses; e tu lhe puseste limites, e não passará além deles” (Jó 14.1,2,5).
    Pois assim como ninguém se queixa de Deus nem estranha que a medida dos dias de uns e de outros seja tão desigual, muito menos deve estranhar que a medida dos pecados seja desigual também. Às vezes basta a uma pessoa um só pecado para ter Deus justíssimo direito de encerrar sua vida e castigá-lo. E a razão fundamental é o supremo domínio de Deus, que é igualmente autor da graça e da vida. E assim como na condição de autor da vida pode limitá-la em certo número de dias, da mesma forma como autor da graça, pode limitar o perdão a certo número de pecados.
     Donde se conclui que, assim como aquele dia que preencherá a medida dos teus dias será o último, e chegado a ele não poderás deixar de morrer, assim também aquele pecado que encherá o número dos teus pecados (caso não te arrependas e mudes tua maneira de viver), também será o último. E assim que o cometeres, não poderás deixar de ser condenado, porque a medida da longanimidade de Deus se encheu, e não haverá mais lugar para o perdão.
     Ouçamos o que o próprio Senhor disse pela boca do profeta Amós: “Assim diz o Senhor: Por três transgressões de Judá e por quatro, não retirarei o castigo, porque rejeitaram a lei do Senhor e não guardaram os seus estatutos; antes, se deixaram enganar por suas próprias mentiras, após as quais andaram seus pais. Por isso, porei fogo a Judá, e ele consumirá os palácios de Jerusalém. Assim diz o Senhor: Por três transgressões de Israel e por quatro, não retirarei o castigo, porque vendem o justo por dinheiro e o necessitado por um par de sapatos” (Am 2.4-6).
     Quer dizer: cometeram o primeiro pecado e perdoei-lhes; cometeram o segundo, e perdoei-lhes; cometeram o terceiro, e também lhes perdoei. Mas porque cometeram o quarto, não hei de lhes perdoar. Pois Deus, sendo infinitamente misericordioso, não perdoa mais que três pecados? Sim, perdoa. Perdoa trezentos, e perdoa três mil, e se o pecador se arrepender de todo coração, perdoa três milhões. Porém, nessas sentenças põe-se o número certo pelo incerto, para que o pecador não se torne contumaz e confiado.
    Reduzida, pois, a medida ou o número de pecados a quatro, Deus diz que perdoará o primeiro, e perdoará o segundo, e perdoará o terceiro, e que para perdoar esses três pecados, levará nos três casos o pecador ao perdão. Porém, se ele cometer o quarto, não haverá perdão; porque o quarto pecado nesse caso é o que encherá a medida, e o pecado que enche a medida é pecado que não será alcançado pela misericórdia, é pecado sem perdão. Porque nesse último, nem Deus o há de perdoar, nem o pecador há de se arrepender e se converter.
     Aqui podemos entender um ponto dificultosíssimo de 1Jo 5.16, que diz: “Se alguém vir seu irmão cometer pecado que não é para morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que ore.” A dificuldade de interpretação desse versículo é tão grande, que os expositores e teólogos, no esforço de comentá-lo, dividem-se em mais de quinze opiniões, não concordando sobre a que pecado o evangelista João chama de “pecado para morte”, pelo qual não devemos orar, por ser irremissível e sem perdão.
     Alguns dizem que é o pecado do homicídio, outros do adultério, outros o da inveja. Outros acham que é o pecado da blasfêmia, outros o da infidelidade, outros o da apostasia, outros o da obstinação, e outros, sem o nomearem, dizem que é um pecado gravíssimo.
     Porém, contra todas essas opiniões existe o fato de que não há pecado, por grave ou gravíssimo que seja, que Deus não perdoe. Portanto, que pecado seria esse, irremissível e sem perdão, peado que João classifica de “para morte?” Não é nenhum pecado particular, nem por sua natureza mais grave que os outros, senão qualquer pecado, ainda que de muita inferior malícia que os referidos até agora, contanto que seja o último, e o que acabará de encher a medida que Deus estabeleceu para cada ser humano. Porque a partir do momento em que essa medida se encher com qualquer pecado que seja, já não heverá lugar para o perdão. E esse será o pecado que João chama de “para morte”, e morte eterna.
     O que Deus faz no momento em que o pecador acabou de encher a medida dos seus pecados, ou é matá-lo, ou afastar-se dele para sempre. A primeira situação aconteceu com o rei Belsazar, cuja sentença de morte apareceu escrita em três palavras (uma delas repetida) na parede do seu palácio, estando ele à mesa (Dn 5.1-30). A primeira palavra foi Mene: “Contou”. Porque Deus fez a conta dos pecados de Balsazar. E como naquela noite e naquela hora ele cometeu o último pecado, e esse acabou de encher a medida que estava estabelecida para ele, e até o último não houve arrependimento de sua parte, a longanimidade de Deus se esgotou, e sua sentença de morte foi escrita na parede.
     Quando Belsazar sentou-se à mesa naquela noite para se embriagar usando e profanando os vasos sagrados que ele havia mandado trazer do Templo, tinha menos um só pecado dos que eram necessários para encher a medida de tolerância e misericórdia de Deus, que estava estabelecida para ele. Uma vez cometido aquele pecado, a medida de iniquidade transbordou, e soou para aquele rei sua sentença de morte física, espiritual e eterna. Belsazar morreu naquela mesma noite.
     (Trechos do Sermão do Quarto Sábado da Quaresma, pregado na Bahia, em 1640, pelo maior pregador da língua portuguesa, Antônio Vieira, na ocasião, com 32 anos de idade. Adaptado e atualizado para o leitor do século 21).
Jefferson Magno Costa

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