quarta-feira, 3 de novembro de 2021

ESCREVA UM SONETO À PESSOA QUE VOCÊ AMA

Jefferson Magno Costa     


Desde o seu aparecimento na Itália ou na França, no século 13, não se sabe até hoje qual deles (Petrarca, Gerard de Bonneuil, Giacomo de Lentini) teria inventado esta desafiadora forma de expressão poética chamada soneto, que vem sendo cultivada por grandes e pequenos poetas, e tem-se conservado no gosto e na preferência do público leitor, ao longo de quase 900 anos.

     “Um soneto sem defeito vale por um longo poema”, disse o poeta francês Boileau, há quase 300 anos. E não é fácil compor um que seja considerado bom. Um excelente, então, é dificílimo.
     O que ocorre com a maioria dos pretendentes a bons sonetistas é terem assunto demais para tão poucos versos, ou versos demais para pouco assunto.
     O poeta Belmiro Braga, diante dessa dificuldade, perguntou em um soneto de que forma o grande sonetista Emílio de Meneses escrevia os seus:

Como os fazes, Emílio? Eu te prometo
um mimo como paga ao que pergunto,
pois, quando, às vezes, no arranhol me meto,

(tens sob os olhos as razões que ajunto),
ora o assunto transborda do soneto,
ora sobra soneto e falta assunto...


     Menotti del Picchia faz parte do pequeno grupo de poetas que homenagearam essa forma poética de maneira magistral:

Soneto! Mal de ti falem perversos
que eu te amo e te ergo no ar como uma taça.
Canta, dentro de ti, a ave da graça
na gaiola dos teus quatorze versos.


Quantos sonhos de amor jazem imersos
em ti, que és dor, temor, glória e desgraça?
Foste a expressão sentimental da raça,
de um povo que viveu fazendo versos.


Teu lirismo é a nostálgica tristeza
dessa saudade atávica e fagueira
que no fundo da raça nos verteu


a primeira guitarra portuguesa
gemendo numa praia brasileira
naquela noite em que o Brasil nasceu...


     Reconhecendo o desafio de se escrever um bom soneto, Júlio Dantas compôs magnificamente este:

Ó florentino túmulo de prata!
Ó sepultura de quatorze versos!
Demais viveu em ti aprisionada
A asa vibrátil do meu pensamento.


Demais sofri a dura disciplina
Do teu chicote de quatorze pontas,
Soneto arcaico, inquisidor vermelho,
Que Petrarca há seis séculos gerou.


Ó taça antiga de quatorze gomos!
– Taça de ouro de Guido Cavalcante,
Bebi em ti, mas atirei-te no mar.


Não se ouvem mais os címbalos da rima.
Asa liberta, voa em liberdade!
Jaula de bronze, estás aberta enfim!


      Coube ao genial e ultra-prolífico dramaturgo e poeta espanhol Lope de Vega (deixou centenas de poesias, e mais de 2800 peças escritas; foi comparado a Shakespeare; Cervantes o chamava de "o monstro da natureza") a autoria do mais genial soneto sobre a dificuldade de se escrever um. Violante, a namorada do poeta, pedira-lhe que Lope lhe escrevesse um soneto de amor.
     Eis como o genial poeta, escondendo-se atrás de uma finíssima ironia e fingindo-se incapaz de escrever o soneto, conseguiu a fenomenal proeza de atender ao pedido da namorada, sem, no entanto, fazer-lhe nenhuma declaração de amor:


Um soneto pediu-me Violante.
(É só nessas encrencas que eu me meto).
Quatorze versos dizem que é soneto:
burlo um pouquinho, e vão-se os quatro. Adiante!

E eu pensei que jamais iria avante,
mas já estou terminando este quarteto.
Ah! Se eu pego o princípio de um terceto,
não haverá mais nada que me espante.



No primeiro terceto vou entrando,
e suponho que entrei com o pé direito,
pois neste verso o fim já estou lhe dando.



E cheguei no segundo. Bem... suspeito
que estou os trezes versos terminando.
Contai se são quatorze, e... ei-lo feito!

Jefferson Magno Costa

6 comentários:

  1. Pastor Jefferson
    Agrada-me estar aqui a tecer estas palavras. Dos bancos acadêmicos, nossa professora, doutora em letras românicas em Coimbra, dona Carminda Nogueira de Castro Ferreira, falecida em outubro do ano passado, http://blog-inaja.blogspot.com/2010/10/carminda-nogueira-de-castro-ferreira.html, soube ministrar aulas com tanto brilhantismo que não só me concede a formação em biblioteconomia, como em literatura. Agora encontro este fascinante blog que, aos pouco, vai me descortinando o evangelho, mas me conduz aos grandes mestres da literatura universal. Das formas poéticas, é o soneto a que mais me agrada; pelo seu gênero breve, melodioso me faz sentir como Camões o sentia: - permita-me a licença caro autor: "Que dias há que na alma me tem posto / um não sei quê, que nasce não sei onde, / vem não sei como, e dói não sei porquê." Belíssimo trabalho. Desta leitora assídua que tanto lhe agradece

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  2. Prezada irmã Inajá, cada comentário seu traz-me a surpresa e a revelação de outras facetas de seu lastro literário. Quem gosta de sonetos não é uma leitora qualquer. E a irmã não é uma mera leitora, e sim uma culta e abalizada apreciadora da poesia seleta.

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  3. Olá pastor Jefferson

    Agrade-me estar a visitar este espaço tão rico. Sei que já há um comentário meu, mas o motivo desta volta é porque o amor se manifesta de maneiras várias. Através da internet, tenho algumas amigas escritoras, as quais nos comunicamos com frequência. Uma delas, no dia do meu aniversário dedicou-me belíssimo poema, o qual muito me deixou sensibilizada, ao ponto de a ela declinar algumas palavras em forma de soneto. Interessante há que se notar, os comentários de Rita Elisa, ao encontrar Machado de Assis, nas entrelinhas dos meus versos. Surpreendi-me sobremodo, pois fora ele quem acompanhou meus passos vida afora e agora, lá do fundo do inconsciente eis que o percebo saltar para as linhas da minha composição. Assim, segue a indicação da qual ora escrevo http://retalhosdeleituras.blogspot.com/2011/03/melodia-inaja.html.
    Com grande admiração e apreço agradeço e me despeço.

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  4. Inajá, todas as vezes que eu visito o seu blog, fico maravilhado com a diversidade e riqueza de assuntos. Você conseguiu elencar grandes autores e reunir grandes textos dessa turma. Parabéns. Blogs como o seu enriquecem a blogosfera.

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  5. Pastor
    Tuas palavras em muito tocam minh'alma, dão-me alento e incentivo para a jornada.
    Deus no comando, tem-me descortinado horizontes jamais sonhados, ao mesmo tempo em que enriquece meu viver diário com encontros felizes, tal fora: Rita Elisa Seda, Sonya Mello, Aline Negosseck, Jefferson Magno.
    Estou a ler seus comentários na Revista Fiel sobre as perguntas que Deus fez a Jó, aguardando as próximas publicações com grande expectativa. Obrigada pelas palavras, obrigada por este rico espaço.
    Que Deus o capacite sobremaneira em todos os momentos de sua vida.

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  6. Minha irmã em Cristo e grande amiga Inajá, mais uma vez, muito obrigado.

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