Jefferson Magno Costa
Quando estive em Londres pela primeira vez, eu tinha 23 anos de idade. Era Fuzileiro Naval, e por ter sido o 1º. colocado no meu curso de especialização, embarquei em 1981 no Navio Escola Custódio de Melo para uma viagem que duraria seis meses. Estive em 14 países. Um deles foi a Grã-Bretanha.
Estávamos no mês de junho, e por toda a Londres vi outdoors, panfletos, cartazes e souvenirs anunciando, para o dia 29 de julho, o casamento do Príncipe Charles com a antes professorinha e em breve Princesa Diana.
Maravilhei-me diante da imensa catedral de St. Paul ornamentadíssima para a cerimônia que se realizaria no seu átrio.
Caminhei longamente pelas margens do rio Tâmisa, embasbacado diante do esplendor e da imponência dos monumentos da capital britânica.
Lembrei-me do mais genial dramaturgo de todos os tempos, Shakespeare. Parei diante do minúsculo teatro onde ele encenara suas peças imortais, às margens daquele rio cujas águas já haviam refletido e escoado tanta arte, tanta história.
Horas antes, eu havia atravessado o Trafalgar Square, espantado não com a altura do obelisco ou a imponência das estátuas dos leões, mas diante das demonstrações de fúria de um grupo de muçulmanos que realizava uma manifestação ali.
Porém, entre tudo o que vi em Londres, nada produziu no meu coração sentimento mais forte, nada me conscientizou tanto do quanto nós, seres humanos, somos pequenos e de vida curta e transitória quanto o gigantesco e milenar complexo de construções do Palácio e da Abadia de Westminster, com sua Tower Clock. Dentro da torre onde o famosíssimo relógio marca o inexorável escoar do tempo, está o Big Ben, o sino.
Eu caminhara até ali movido pelo desejo de visitar a riquíssima biblioteca situada no interior da abadia, que em 2065 completará mil anos de existência. Ao longo de quase dez séculos aquela biblioteca serviu de fonte de estudo e pesquisas a milhares de alunos e reverendos que partiram há séculos para a eternidade. Ávidos pelos infinitos tesouros de conhecimento preservados nas páginas de seus milhares de livros, seminaristas, pastores, homens de Deus estiveram ali para lerem aquelas preciosidades bibliográficas, que abrigam em suas páginas a fina flor da cultura bíblico-teológica inglesa.
Aqueles homens, em seus respectivos séculos, pregaram no púlpito da capela da abadia, e em milhares de outros púlpitos de igrejas da Grã-Bretanha. Porém, seus sermões, nomes, lutas, dores, alegrias, testemunhos, amores e livros, com raríssimas exceções, estão hoje mergulhados no esquecimento total, absoluto.
Não pude visitar o interior da abadia, onde estão abrigadas as centenas de milhares de livros raríssimos. Um cerimonial que estava para acontecer dentro de algumas horas resultou na suspensão das visitações. Porém, pude sentar em um banco nas proximidades dali, e enquanto contemplava o imponente e gigantesco complexo de construções, lembrei-me do ensaio do escritor norte-americano Washington Irving (1783-1859), intitulado A mutabilidade da literatura (um colóquio na Abadia de Westminster), que eu descobrira e lera na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, dois anos antes de fazer aquela viagem.
O ensaio de Washington Irving é um dos raros textos capazes de curar a vaidade do mais vaidoso dos escritores, e libertar qualquer um de nós de qualquer pretensão à imortalidade literária. Por eu não sofrer dessa doença, saio de cena e cedo a palavra ao fértil e criativo escritor norte-americano Washington Irving, que no seu estilo fácil e encantador, nos descreve uma de suas visitas à biblioteca daquela abadia, biblioteca que eu, para minha imensa e ainda hoje não-curada frustração, não consegui visitar.
Com a palavra(resumidamente), Washington Irving:
“Eu estava caminhando devagar e silenciosamente por um longo corredor que levava aos velhos claustros da Abadia de Westminster, tentando chegar à biblioteca, quando de repente um bando de meninos barulhentos, alunos da Escola Westminster, indo para uma partida de futebol, invadiu a quietude monástica do lugar, fazendo ecoarem com a sua alegria os corredores abobadados e os túmulos.
“Tratei de refugiar-me do vozerio, penetrando ainda mais fundo na solidão das colunas, e solicitei a um dos velhos bibliotecários que me levasse até a biblioteca. O funcionário conduziu-me através de um rico portão, fragmentária escultura de idades antigas, o qual dava para um corredor sombrio que terminava na sala onde está depositado o Livro do Dia do Juízo [inspirado no livro celestial, do mesmo nome].
“No corredor há uma portinha à esquerda, em cuja fechadura o velho guardião introduziu a chave. Estava duplamente trancada e, talvez pelo pouco uso, não foi sem dificuldade que a abriu. Subimos por uma escada estreita e escura e, atravessando uma segunda porta, alcançamos a biblioteca.
“Encontrei-me numa galeria clássica cujo forro era sustentado por vigas maciças de velho carvalho inglês. Iluminava-a sobriamente uma série de janelas góticas, instaladas a uma boa altura do piso, as quais davam para os telhados dos claustros.
“Por cima da lareira via-se uma pintura antiga de algum reverendo dignatário da Igreja, com seus paramentos. Os livros encontravam-se em redor da galeria, arrumados em estantes de carvalhos trabalhado. Consistiam principalmente em velhos escritores polemistas, e estavam muito mais gastos pelo tempo do que pelo uso. No centro da biblioteca existia uma imensa e solitária mesa, e sobre a mesma, dois ou três volumes, um tinteiro vazio e algumas penas ressecadas por longo abandono.
“O lugar parecia adequado para o estudo e a profunda meditação. Era fundamente sepultado entre as paredes maciças da abadia, e abrigado do tumulto do mundo. Vez por outra eu escutava unicamente os gritos dos estudantes vindos fracamente do convento, e o bater de um sino que ecoava brandamente ao longo dos telhados e corredores da abadia.
“Aos poucos os gritos de alegria foram-se desvanecendo, até sucumbirem. Cessaram as badaladas do sino, e um profundo silêncio reinou por todas as amplas salas, corredores e galerias. Eu havia retirado de uma das estantes um grosso volume, curiosamente encadernado em pergaminho, com fecho de cobre. Sentei-me diante da imensa mesa, em uma venerável cadeira de braços.
“Porém, em vez de iniciar a leitura do livro multi-secular, deixei-me envolver pelo solene ar monástico e a quietude mortal que reinavam no ambiente, e entreguei-me a uma sequência de reflexões. Enquanto fitava os velhos livros em derredor, com suas capas douradas arrumadas nas prateleiras, e cujo repouso raramente era perturbado, não pude deixar de considerar a biblioteca uma espécie de catacumba literária, onde os autores, quais múmias, haviam sido impiedosamente colocados ali e abandonados para amarelecerem e desfazerem-se no pó do esquecimento.
“Quantas dores de cabeça – pensei eu – terá causado aos seus autores cada um daqueles livros, agora abandonados ali com total indiferença. Quantos dias, quantos meses, quantos anos de trabalho exaustivo. Quantas noites em claro. Quanto tempo seus autores roubaram às esposas, aos filhos, ao descanso, ao entretenimento, à vida, para ficarem mergulhados na solidão, escrevendo bilhões e bilhões de palavras que agora estavam encerradas naqueles grossos e velhos volumes de páginas amarelecidas, mudas, esquecidas.
“Todo aquele esforço para quê? Para ocuparem agora um ou alguns centímetros de prateleira empoeirada, para que os títulos de suas obras fossem lidos uma vez ou outra, no futuro, por algum pastor sonolento ou algum visitante casual como eu, ou em épocas futuras, para ser comidos pelas traças ou desfeitos pelo tempo, e ser totalmente esquecidos. Era essa a imortalidade tão enganosamente cortejada, tão cansativamente perseguida? Sim.
"Enquanto eu contemplava sonolentamente a imensidão daqueles livros esquecidos nas centenas de estantes escuras daquela biblioteca, essa tão desejada imortalidade pareceu-me semelhante ao som daquele sino que minutos antes vibrara por aquelas salas, por aqueles corredores, por aqueles telhados, permanecendo em eco durante alguns instantes nos meus ouvidos, mas silenciando-se em seguida e sendo esquecido como algo que jamais tivesse existido. Cochilei um pouco.
“Enquanto eu fazia aquelas reflexões, mantinha a cabeça apoiada na mão direita, e com a outra mão tamborilava o grosso volume que eu havia colocado fechado sobre a mesa. Displicentemente, abri o fecho do livro. Para minha surpresa e estupefação, o livro bocejou duas ou três vezes, como alguém que despertasse de um profundo sono. Depois me disse um rouco “olá!”, e finalmente começo a puxar conversa.
“A princípio, sua voz era grossa e entrecortada, talvez prejudicada por uma teia que alguma aranha estudiosa tivesse tecido no espaço entre uma capa e outra, ou talvez por ter contraído um resfriado devido à exposição por muito tempo ao frio e à umidade da abadia.
“Porém, após algumas frases, sua voz melhorou. Mas assim mesmo percebi que sua linguagem era um tanto esquisita e fora de época, arcaica. Traduzi-a com esforço para a linguagem moderna.
“O livro queixou-se amargamente de já terem se passado mais de 200 anos desde que a última pessoa o abrira para ler suas páginas. Mesmo assim, fora uma leitura de menos de 15 minutos. Queixou-se também do fato de a maior autoridade daquela abadia, o deão, raramente visitar a biblioteca, e quando o fazia, retirar daquelas estantes abarrotadas um ou dois volumes, com os quais se distraía por alguns momentos, para em seguida recolocá-los na estante.
“Por que diabos vocês, humanos – perguntou-me o livro, e parecia um tanto colérico – mantêm muitos milhares de volumes trancados aqui nesta biblioteca, vigiados por velhos sonolentos, como se nós fôssemos beldades de um harém, tão-somente para sermos vistos de longe pelo deão? Os livros foram feitos para proporcionarem prazer e conhecimento. Bom seria que houvesse uma lei que obrigasse o deão a nos visitar ao menos uma vez por ano. Se a tarefa lhe fosse muito pesada, que fosse permitida a livre entrada, vez por outra, de todos os alunos da Escola de Westminster para que, de qualquer modo, nossas páginas fossem arejadas.
“Acalme-se, meu nobre amigo – respondi ao livro –. Não se esqueça de que você teve mais sorte do que a maioria dos livros que foram impressos em sua geração. Estando guardado aqui nesta velha biblioteca, você é como os corpos entesourados daqueles santos homens de Deus, cujos restos mortais jazem como relíquias nas capelas aqui próximas. E não se esqueça de que muitos outros livros, seus contemporâneos, que não tiveram a sorte de vir parar em uma das estantes desta biblioteca, viraram pó há muito tempo.
“Cavalheiro, eu fui escrito para ser lido por todo o mundo, e não para ser devorado pelas traças da biblioteca de uma abadia. Fui impresso para circular de mão em mão, como os outros livros contemporâneos. Mas estou aprisionado aqui há mais de 200 anos, e podia ficar silenciosamente esquecido no meio dessas estantes, até minhas vísceras serem totalmente devoradas por esses insetos, se por acaso o senhor não tivesse me dado essa oportunidade de pronunciar minhas últimas palavras, antes de virar pedaços no banquete das traças.
“Meu esclarecido e ilustre amigo – respondi – se você realmente estivesse na mão de um e de outro, sendo lido com toda essa frequência que você deseja, certamente também já teria se desmanchado. Considerando sua aparência, você já está bem velhinho. Hoje, devem existir muito poucos dos seus contemporâneos. E esses poucos livros devem a sua longevidade ao fato de terem sido guardados em bibliotecas como esta em que você está.
“Você fala de seus contemporâneos como se eles ainda estivessem em circulação – continuei a argumentar com o velho livro. Sinto dizer-lhe que você está muito enganado. Muita coisa mudou no mundo durante esses 200 anos em que você esteve trancado aqui dentro. Por exemplo, ninguém terá lutado tanto pela imortalidade quanto um autor chamado Robert Grosseteste. Ele escreveu quase duas centenas de livros. Construiu uma espécie de pirâmide para perpetuar seu nome. Porém, a pirâmide desabou há muito tempo, e hoje apenas alguns fragmentos estão espalhados por algumas bibliotecas, onde raramente são perturbados.
“Que sabemos hoje de Geraldus Cambresis – continuei – historiador, antiquário, filósofo, teólogo e poeta? Rejeitou a liderança de duas grandes igrejas para que pudesse se isolar e escrever para a posteridade. Mas a posteridade jamais se interessou pelos seus livros, e sequer os conhece. Suas obras estão completamente esquecidas. Que resta hoje de Henry of Huntingdon, que além de uma erudita História da Inglaterra, escreveu um tratado sobre a teimosia do mundo, e o mundo se vingou, esquecendo-o? Quem se lembra hoje de Joseph of Exeter, que era considerado o milagre do seu século na composição poética clássica? Dos seus três notáveis poemas épicos, um perdeu-se irremediavelmente. Os outros dois, só um grupo reduzidíssimo de eruditos conhece. Quem se lembra hoje de...
“Por favor, senhor – bradou o livro num tom impaciente – que idade você pensa que eu tenho? Você fala de autores que viveram muito antes de minha geração, e que escreveram em latim ou em francês, e não em inglês, e por isso é justo que estejam esquecidos. Mas eu, cavalheiro, vim ao mundo pelas mãos do consagrado escritor Wynkyn de Worde. Fui escrito na minha própria língua, e fui considerado padrão de inglês castiço e elegante.
“Perdoe-me, amigo, por ter-me enganado quanto à sua idade. Mas isso pouco importa. Quase todos os escritores do seu tempo também já caíram no esquecimento. E as publicações de Wynkyn de Worde também estão hoje totalmente esquecidas; são meras raridades literárias nas mãos de colecionadores de livros. Que isso sirva de alerta à vaidade e exultação do mais popular escritor de hoje. Com raríssimas exceções, os que são lidos atualmente, dentro de um século, ou menos, estarão esquecidos na prateleira de uma biblioteca, sendo degustados tão-somente pelo apetite voraz das traças.
“Confesso que quando contemplo uma biblioteca moderna, cheia de obras novas e luxuosamente encadernadas, tenho desejo de sentar-me para chorar, conforme fez o general Xerxes quando contemplou seus exércitos em todo o esplendor e poderio militar, e refletiu que dentro de cem anos, nenhum daqueles soldados estaria vivo."
Naquele momento eu silenciara para ouvir a resposta do meu amigo livro, quando de repente um barulho atrás de mim fez-me virar a cabeça. Era o velho bibliotecário que viera me avisar que iam fechar a biblioteca. Tentei trocar algumas palavras de despedida com o meu amigo livro, mas vi que ele agora estava quieto, mudo, com suas páginas fechadas.
Saí dali totalmente curado de minha vaidade de escritor. Depois daquele dia ainda voltei àquela biblioteca umas duas ou três vezes, localizei o livro conversador, retirei-o da estante e tentei puxar conversa com ele. Mas foi inútil. Não houve nenhuma resposta sua.
Parece que ele fora vencido pelos meus argumentos e resolvera aceitar jazer ali esquecidamente, até um dia ser cortejado por traças eruditas e glutonas, e ser devorado por elas.
Até hoje não sei se aquela conversa realmente aconteceu, ou se foi fruto de um sonho que tive durante os minutos em que cochilei entre aqueles velhos, silenciosos, ameaçados e misteriosos livros esquecidos".
Jefferson Magno Costa
Quando estive em Londres pela primeira vez, eu tinha 23 anos de idade. Era Fuzileiro Naval, e por ter sido o 1º. colocado no meu curso de especialização, embarquei em 1981 no Navio Escola Custódio de Melo para uma viagem que duraria seis meses. Estive em 14 países. Um deles foi a Grã-Bretanha.
Estávamos no mês de junho, e por toda a Londres vi outdoors, panfletos, cartazes e souvenirs anunciando, para o dia 29 de julho, o casamento do Príncipe Charles com a antes professorinha e em breve Princesa Diana.
Maravilhei-me diante da imensa catedral de St. Paul ornamentadíssima para a cerimônia que se realizaria no seu átrio.
Caminhei longamente pelas margens do rio Tâmisa, embasbacado diante do esplendor e da imponência dos monumentos da capital britânica.
Lembrei-me do mais genial dramaturgo de todos os tempos, Shakespeare. Parei diante do minúsculo teatro onde ele encenara suas peças imortais, às margens daquele rio cujas águas já haviam refletido e escoado tanta arte, tanta história.
Horas antes, eu havia atravessado o Trafalgar Square, espantado não com a altura do obelisco ou a imponência das estátuas dos leões, mas diante das demonstrações de fúria de um grupo de muçulmanos que realizava uma manifestação ali.
Porém, entre tudo o que vi em Londres, nada produziu no meu coração sentimento mais forte, nada me conscientizou tanto do quanto nós, seres humanos, somos pequenos e de vida curta e transitória quanto o gigantesco e milenar complexo de construções do Palácio e da Abadia de Westminster, com sua Tower Clock. Dentro da torre onde o famosíssimo relógio marca o inexorável escoar do tempo, está o Big Ben, o sino.
Eu caminhara até ali movido pelo desejo de visitar a riquíssima biblioteca situada no interior da abadia, que em 2065 completará mil anos de existência. Ao longo de quase dez séculos aquela biblioteca serviu de fonte de estudo e pesquisas a milhares de alunos e reverendos que partiram há séculos para a eternidade. Ávidos pelos infinitos tesouros de conhecimento preservados nas páginas de seus milhares de livros, seminaristas, pastores, homens de Deus estiveram ali para lerem aquelas preciosidades bibliográficas, que abrigam em suas páginas a fina flor da cultura bíblico-teológica inglesa.
Aqueles homens, em seus respectivos séculos, pregaram no púlpito da capela da abadia, e em milhares de outros púlpitos de igrejas da Grã-Bretanha. Porém, seus sermões, nomes, lutas, dores, alegrias, testemunhos, amores e livros, com raríssimas exceções, estão hoje mergulhados no esquecimento total, absoluto.
Não pude visitar o interior da abadia, onde estão abrigadas as centenas de milhares de livros raríssimos. Um cerimonial que estava para acontecer dentro de algumas horas resultou na suspensão das visitações. Porém, pude sentar em um banco nas proximidades dali, e enquanto contemplava o imponente e gigantesco complexo de construções, lembrei-me do ensaio do escritor norte-americano Washington Irving (1783-1859), intitulado A mutabilidade da literatura (um colóquio na Abadia de Westminster), que eu descobrira e lera na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, dois anos antes de fazer aquela viagem.
O ensaio de Washington Irving é um dos raros textos capazes de curar a vaidade do mais vaidoso dos escritores, e libertar qualquer um de nós de qualquer pretensão à imortalidade literária. Por eu não sofrer dessa doença, saio de cena e cedo a palavra ao fértil e criativo escritor norte-americano Washington Irving, que no seu estilo fácil e encantador, nos descreve uma de suas visitas à biblioteca daquela abadia, biblioteca que eu, para minha imensa e ainda hoje não-curada frustração, não consegui visitar.
Com a palavra(resumidamente), Washington Irving:
“Eu estava caminhando devagar e silenciosamente por um longo corredor que levava aos velhos claustros da Abadia de Westminster, tentando chegar à biblioteca, quando de repente um bando de meninos barulhentos, alunos da Escola Westminster, indo para uma partida de futebol, invadiu a quietude monástica do lugar, fazendo ecoarem com a sua alegria os corredores abobadados e os túmulos.
“Tratei de refugiar-me do vozerio, penetrando ainda mais fundo na solidão das colunas, e solicitei a um dos velhos bibliotecários que me levasse até a biblioteca. O funcionário conduziu-me através de um rico portão, fragmentária escultura de idades antigas, o qual dava para um corredor sombrio que terminava na sala onde está depositado o Livro do Dia do Juízo [inspirado no livro celestial, do mesmo nome].
“No corredor há uma portinha à esquerda, em cuja fechadura o velho guardião introduziu a chave. Estava duplamente trancada e, talvez pelo pouco uso, não foi sem dificuldade que a abriu. Subimos por uma escada estreita e escura e, atravessando uma segunda porta, alcançamos a biblioteca.
“Encontrei-me numa galeria clássica cujo forro era sustentado por vigas maciças de velho carvalho inglês. Iluminava-a sobriamente uma série de janelas góticas, instaladas a uma boa altura do piso, as quais davam para os telhados dos claustros.
“Por cima da lareira via-se uma pintura antiga de algum reverendo dignatário da Igreja, com seus paramentos. Os livros encontravam-se em redor da galeria, arrumados em estantes de carvalhos trabalhado. Consistiam principalmente em velhos escritores polemistas, e estavam muito mais gastos pelo tempo do que pelo uso. No centro da biblioteca existia uma imensa e solitária mesa, e sobre a mesma, dois ou três volumes, um tinteiro vazio e algumas penas ressecadas por longo abandono.
“O lugar parecia adequado para o estudo e a profunda meditação. Era fundamente sepultado entre as paredes maciças da abadia, e abrigado do tumulto do mundo. Vez por outra eu escutava unicamente os gritos dos estudantes vindos fracamente do convento, e o bater de um sino que ecoava brandamente ao longo dos telhados e corredores da abadia.
“Aos poucos os gritos de alegria foram-se desvanecendo, até sucumbirem. Cessaram as badaladas do sino, e um profundo silêncio reinou por todas as amplas salas, corredores e galerias. Eu havia retirado de uma das estantes um grosso volume, curiosamente encadernado em pergaminho, com fecho de cobre. Sentei-me diante da imensa mesa, em uma venerável cadeira de braços.
“Porém, em vez de iniciar a leitura do livro multi-secular, deixei-me envolver pelo solene ar monástico e a quietude mortal que reinavam no ambiente, e entreguei-me a uma sequência de reflexões. Enquanto fitava os velhos livros em derredor, com suas capas douradas arrumadas nas prateleiras, e cujo repouso raramente era perturbado, não pude deixar de considerar a biblioteca uma espécie de catacumba literária, onde os autores, quais múmias, haviam sido impiedosamente colocados ali e abandonados para amarelecerem e desfazerem-se no pó do esquecimento.
“Quantas dores de cabeça – pensei eu – terá causado aos seus autores cada um daqueles livros, agora abandonados ali com total indiferença. Quantos dias, quantos meses, quantos anos de trabalho exaustivo. Quantas noites em claro. Quanto tempo seus autores roubaram às esposas, aos filhos, ao descanso, ao entretenimento, à vida, para ficarem mergulhados na solidão, escrevendo bilhões e bilhões de palavras que agora estavam encerradas naqueles grossos e velhos volumes de páginas amarelecidas, mudas, esquecidas.
“Todo aquele esforço para quê? Para ocuparem agora um ou alguns centímetros de prateleira empoeirada, para que os títulos de suas obras fossem lidos uma vez ou outra, no futuro, por algum pastor sonolento ou algum visitante casual como eu, ou em épocas futuras, para ser comidos pelas traças ou desfeitos pelo tempo, e ser totalmente esquecidos. Era essa a imortalidade tão enganosamente cortejada, tão cansativamente perseguida? Sim.
"Enquanto eu contemplava sonolentamente a imensidão daqueles livros esquecidos nas centenas de estantes escuras daquela biblioteca, essa tão desejada imortalidade pareceu-me semelhante ao som daquele sino que minutos antes vibrara por aquelas salas, por aqueles corredores, por aqueles telhados, permanecendo em eco durante alguns instantes nos meus ouvidos, mas silenciando-se em seguida e sendo esquecido como algo que jamais tivesse existido. Cochilei um pouco.
“Enquanto eu fazia aquelas reflexões, mantinha a cabeça apoiada na mão direita, e com a outra mão tamborilava o grosso volume que eu havia colocado fechado sobre a mesa. Displicentemente, abri o fecho do livro. Para minha surpresa e estupefação, o livro bocejou duas ou três vezes, como alguém que despertasse de um profundo sono. Depois me disse um rouco “olá!”, e finalmente começo a puxar conversa.
“A princípio, sua voz era grossa e entrecortada, talvez prejudicada por uma teia que alguma aranha estudiosa tivesse tecido no espaço entre uma capa e outra, ou talvez por ter contraído um resfriado devido à exposição por muito tempo ao frio e à umidade da abadia.
“Porém, após algumas frases, sua voz melhorou. Mas assim mesmo percebi que sua linguagem era um tanto esquisita e fora de época, arcaica. Traduzi-a com esforço para a linguagem moderna.
“O livro queixou-se amargamente de já terem se passado mais de 200 anos desde que a última pessoa o abrira para ler suas páginas. Mesmo assim, fora uma leitura de menos de 15 minutos. Queixou-se também do fato de a maior autoridade daquela abadia, o deão, raramente visitar a biblioteca, e quando o fazia, retirar daquelas estantes abarrotadas um ou dois volumes, com os quais se distraía por alguns momentos, para em seguida recolocá-los na estante.
“Por que diabos vocês, humanos – perguntou-me o livro, e parecia um tanto colérico – mantêm muitos milhares de volumes trancados aqui nesta biblioteca, vigiados por velhos sonolentos, como se nós fôssemos beldades de um harém, tão-somente para sermos vistos de longe pelo deão? Os livros foram feitos para proporcionarem prazer e conhecimento. Bom seria que houvesse uma lei que obrigasse o deão a nos visitar ao menos uma vez por ano. Se a tarefa lhe fosse muito pesada, que fosse permitida a livre entrada, vez por outra, de todos os alunos da Escola de Westminster para que, de qualquer modo, nossas páginas fossem arejadas.
“Acalme-se, meu nobre amigo – respondi ao livro –. Não se esqueça de que você teve mais sorte do que a maioria dos livros que foram impressos em sua geração. Estando guardado aqui nesta velha biblioteca, você é como os corpos entesourados daqueles santos homens de Deus, cujos restos mortais jazem como relíquias nas capelas aqui próximas. E não se esqueça de que muitos outros livros, seus contemporâneos, que não tiveram a sorte de vir parar em uma das estantes desta biblioteca, viraram pó há muito tempo.
“Cavalheiro, eu fui escrito para ser lido por todo o mundo, e não para ser devorado pelas traças da biblioteca de uma abadia. Fui impresso para circular de mão em mão, como os outros livros contemporâneos. Mas estou aprisionado aqui há mais de 200 anos, e podia ficar silenciosamente esquecido no meio dessas estantes, até minhas vísceras serem totalmente devoradas por esses insetos, se por acaso o senhor não tivesse me dado essa oportunidade de pronunciar minhas últimas palavras, antes de virar pedaços no banquete das traças.
“Meu esclarecido e ilustre amigo – respondi – se você realmente estivesse na mão de um e de outro, sendo lido com toda essa frequência que você deseja, certamente também já teria se desmanchado. Considerando sua aparência, você já está bem velhinho. Hoje, devem existir muito poucos dos seus contemporâneos. E esses poucos livros devem a sua longevidade ao fato de terem sido guardados em bibliotecas como esta em que você está.
“Você fala de seus contemporâneos como se eles ainda estivessem em circulação – continuei a argumentar com o velho livro. Sinto dizer-lhe que você está muito enganado. Muita coisa mudou no mundo durante esses 200 anos em que você esteve trancado aqui dentro. Por exemplo, ninguém terá lutado tanto pela imortalidade quanto um autor chamado Robert Grosseteste. Ele escreveu quase duas centenas de livros. Construiu uma espécie de pirâmide para perpetuar seu nome. Porém, a pirâmide desabou há muito tempo, e hoje apenas alguns fragmentos estão espalhados por algumas bibliotecas, onde raramente são perturbados.
“Que sabemos hoje de Geraldus Cambresis – continuei – historiador, antiquário, filósofo, teólogo e poeta? Rejeitou a liderança de duas grandes igrejas para que pudesse se isolar e escrever para a posteridade. Mas a posteridade jamais se interessou pelos seus livros, e sequer os conhece. Suas obras estão completamente esquecidas. Que resta hoje de Henry of Huntingdon, que além de uma erudita História da Inglaterra, escreveu um tratado sobre a teimosia do mundo, e o mundo se vingou, esquecendo-o? Quem se lembra hoje de Joseph of Exeter, que era considerado o milagre do seu século na composição poética clássica? Dos seus três notáveis poemas épicos, um perdeu-se irremediavelmente. Os outros dois, só um grupo reduzidíssimo de eruditos conhece. Quem se lembra hoje de...
“Por favor, senhor – bradou o livro num tom impaciente – que idade você pensa que eu tenho? Você fala de autores que viveram muito antes de minha geração, e que escreveram em latim ou em francês, e não em inglês, e por isso é justo que estejam esquecidos. Mas eu, cavalheiro, vim ao mundo pelas mãos do consagrado escritor Wynkyn de Worde. Fui escrito na minha própria língua, e fui considerado padrão de inglês castiço e elegante.
“Perdoe-me, amigo, por ter-me enganado quanto à sua idade. Mas isso pouco importa. Quase todos os escritores do seu tempo também já caíram no esquecimento. E as publicações de Wynkyn de Worde também estão hoje totalmente esquecidas; são meras raridades literárias nas mãos de colecionadores de livros. Que isso sirva de alerta à vaidade e exultação do mais popular escritor de hoje. Com raríssimas exceções, os que são lidos atualmente, dentro de um século, ou menos, estarão esquecidos na prateleira de uma biblioteca, sendo degustados tão-somente pelo apetite voraz das traças.
“Confesso que quando contemplo uma biblioteca moderna, cheia de obras novas e luxuosamente encadernadas, tenho desejo de sentar-me para chorar, conforme fez o general Xerxes quando contemplou seus exércitos em todo o esplendor e poderio militar, e refletiu que dentro de cem anos, nenhum daqueles soldados estaria vivo."
Naquele momento eu silenciara para ouvir a resposta do meu amigo livro, quando de repente um barulho atrás de mim fez-me virar a cabeça. Era o velho bibliotecário que viera me avisar que iam fechar a biblioteca. Tentei trocar algumas palavras de despedida com o meu amigo livro, mas vi que ele agora estava quieto, mudo, com suas páginas fechadas.
Saí dali totalmente curado de minha vaidade de escritor. Depois daquele dia ainda voltei àquela biblioteca umas duas ou três vezes, localizei o livro conversador, retirei-o da estante e tentei puxar conversa com ele. Mas foi inútil. Não houve nenhuma resposta sua.
Parece que ele fora vencido pelos meus argumentos e resolvera aceitar jazer ali esquecidamente, até um dia ser cortejado por traças eruditas e glutonas, e ser devorado por elas.
Até hoje não sei se aquela conversa realmente aconteceu, ou se foi fruto de um sonho que tive durante os minutos em que cochilei entre aqueles velhos, silenciosos, ameaçados e misteriosos livros esquecidos".
Jefferson Magno Costa
Pastor Jefferson Magno,
ResponderExcluirComo é bom ler os textos que o irmão publica neste espaço; este, por exemplo, me fez repensar sobre muitas coisas neste árduo caminho, que é colocar em palavras a nossa embaraçada visão de mundo.
Falando sobre livros, "Eles andaram com Deus" foi um dos primeiros e mais estimulantes livros que li. Muito bem escrito, este livro me vez parecer estar junto aos grandes nomes da história do pentecostalismo brasileiro.
Um forte abraço,
Oséias Balzaretti
Muito obrigado por sua abalizada apreciação deste artigo, e pela apreciação do meu livro Eles Andaram com Deus, meu irmão e amigo Oséias Balzaretti. Gosto muito dos seus comentários, pois são muito equilibrados e sinceros. Quando o irmão concorda com nossa posição e nossa linha de raciocínio, o irmão expressa isso; mas quando não concorda, não concorda, e também expressa isso. Não fica nem em cima do muro nem no silêncio dissimulado. Parabéns, o irmão é um exemplo. A palavra do crente deve ser assim mesmo: sim, sim, ou não, não. O que passar disso é REALMENTE de procedência maligna.
ResponderExcluirNão, não seremos esquecidos!
ResponderExcluirE não serão livros com capas empoeiradas que carregarão o fardo de nos fazer perpetuar...
Não seremos esquecidos por que nosso trabalho dá frutos para a vida eterna! Não é maravilhoso? Sempre que penso nos rumos em que minha vida está tomando (vc conhece este meu estilo auto-analítico de escrita) me certifico de que esta é a melhor obra-prima, este é o melhor legado e a coisa mais proveitosa que poderia realizar com meu tempo - a obra de Deus. Ela abençoa e ajuda a conduzir pessoas ao paraíso, mesmo com minhas poucas forças e recursos.
Comungo da paixão por livros e bibliotecas, trato os livros e os escritores de forma respeitosa e os admiro. Mas me preocupo com o 'eruditismo' por si só, sem Cristo. Um conhecimento que não produz frutos, que não edifica almas, que não conduz o pecador ao Calvário. Esté é, sem dúvida um trabalho inútil.
Por tudo o que já li neste blog e por todos os textos incríveis que tenho revisado ultimamente afirmo, com categoria, que essas palavras têm vida, elas jamais ficariam presas em bibliotecas ou limitadas ás capas dos livros. Elas entram no coração e na mente, elas capacitam, elas encorajam e elas conduzem à Vida Eterna que há em Cristo.
Esse é o labor honroso que te eterniza, meu caro escritor, como eternizou os demais. Não me entenda mal, nem fique bravo Sir Irving, mas as palavras cristãs têm vida própria. Uma única alma que chegar no céu por conta de uma única linha, já torna eterno o que o papel não consegue permitir. Vê quão honrosa é esta condição? Quando falamos de Cristo em nossas palavras, estamos nos vacinando contra a traça e entrando no rol da eternidade, ainda que sejamos escritores, pescadores ou marinheiros, nosso legado é eterno e um dia será reconhecido e recompensado de forma extraordinariamente gloriosa. Estaremos juntos lá, pra receber um prêmio infinitamente superior a qualquer Pulitzer ou Nobel... mal posso esperar...
Sempre por aqui, aprendendo...
Susana Silvério
http://susanasilverio.blogspot.com
Sim, prezada irmã Susana. Nós não seremos esquecidos... na eternidade. Nos registros de Deus. Nos livros que estão sendo escritos no Céu, em cujas páginas o relato da nossa vida, todas as nossas ações, ficarão registrados para sempre. Uma das coisas que mais felicita o meu coração quando penso nas supresas que a eternidade nos aguarda, é saber que existem livros no Céu! "E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante de Deus, e abriram-se os livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida. E os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras", Ap 20.12. Calma, minha irmã, estou lúcido; a imensa paixão pelos livros antigos ainda não me fez delirar. Sei que tudo no Céu será diferente. Mas se Jesus fosse satisfazer o desejo de muitos dos seus filhos que são apaixonados por livros, teria que construir no Céu bibliotecas maiores que a do Congresso, nos Estados Unidos (a maior do mundo, com os seus 130 milhões de livros e outros documentos. A nossa, a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, é a oitava maior do mundo, com seus mais de 10 milhões). E nem quero discutir aqui que tipo de suporte têm os livros no Céu, se o suporte papel, se o suporte eletrônico, virtual, ou outro suporte ainda desconhecido aqui na terra. Mas o fato é que, no Céu, existem livros. E os nossos nomes e histórias estão escritos neles. Para sempre. Já aqui na terra... é outra conversa. Um rápido cálculo sobre os escritores que desapareceram ou hoje não são mais lidos ou lembrados, mostra o quanto é efêmera, fugaz, nuvem passageira, a fama, a glória literária humana. Centenas de pregadores portugueses tão geniais quanto o padre Antônio Vieira estão hoje esquecidos nas velhas bibliotecas de Portugal. Shakespeare teve em sua época dezenas de dramaturgos geniais e rivais, que hoje estão esquecidos. Todas as literaturas do mundo têm hoje milhares e milhares de nomes de escritores que desapareceram. São milhões de livros preciosíssimos que não chegaram até nós. O incêndio da biblioteca de Alexandria, só para citar uma das muitas bibliotecas na história da humanidade, que desapareceram pelo fogo, pelo saque, por terremotos, por inundações, destruiu milhares de obras, exemplares que eram únicos no mundo, e lançou no abismo do esquecimento eterno o nome de seus autores. Milhares e milhares de livros escritos por homens tão geniais quanto Sócrates, Platão e Aristóteles, ou mais geniais que os três mais famosos trágicos gregos Sófocles, Ésquilo e Eurípides, viraram pó, não chegaram até nós. Foram devorados pelos dentes implacáveis do tempo. E isto ocorreu em Roma, no Egito, na China, na Assíria, na Babilônia (onde estão hoje os milhares de outros livros que não foram reunidos por Assurbanipal, e ficaram fora de sua biblioteca de milhares de tabletes de barro?), e em muitos outros países.
ResponderExcluirPaul Migne foi o homem que gastou a vida inteira reunindo todas as obras teológicas e ispiracionais possíveis de ser encontradas, escritas em grego ou em latim pelos Pais da Igreja. Ele conseguiu elencar pouco mais de 500 autores, totalizando umas 20 mil obras, e publicou-as como uma imensa coleção em 1800 e alguma coisa. Esse imenso acervo é apreciado na atualidade pelo próprio erudito italiano Umberto Eco, entre outros. Mas isso, nas contas de Migne, representou só vinte por cento de tudo o que os Pais da Igreja escreveram. E os 80 por cento restantes, onde estão? Viravam pó, junto com os seus autores. Tesouros grandiosos, sublimes, obras teológicas, ispiracionais e históricas que jamais conheceremos. Esses autores estão hoje totalmente esquecidos na história de todas as literaturas. Sabemos que existiram por que um trecho ou outro de seus livros foi citado por Eusébio de Cesaréia ou outro escritor cristão do terceiro ou quarto século. No mais, estão esquecidos. Chega, irmã Susana, abusei de sua paciência. Isto já está virando lamúria ou cantilena de velório. Podemos continuar o assunto em outra ocasião.
Pastor Jefferson
ResponderExcluirComo bibliotecária e amante incondicional de livros e bibliotecas, confesso que chorei ao ler o artigo, ricamente ilustrado. Sob tua licença, irei registrá-lo em meu blog - http://blog-inaja.blogspot.com/. Não conhecia o texto de Irving, mas pranteei ante a magnitude dos detalhes. Adentrei, sob suas palavras, aqueles espaços e me transportei aos meus tempos de estudante na Escola de Biblioteconomia, quando estagiava num colégio, do qual tenho algumas fotos tiradas do lado de fora, na atualidade http://saocarlosemimagens.blogspot.com/2010/12/colegio-sao-carlos.html , cujo blog também mantenho. Quanto aos comentários, não pude deixar de apreciá-los, tanto os da irmã Susana, quanto o carinho e aprumo da resposta que lhe foi auferida. Tenho degustado os artigos aqui postados como ávida aprendiz. Eterna e grata sou a Deus por haver entendido que meu nome também está escrito no rolo da vida e que estou fazendo parte da grande biblioteca universal, aquela onde nem a traça, nem o fogo, nem terremoto, ou qualquer outro sinistro possa apagar nossa estada neste universo. Entretanto, até que esse dia do encontro não ocorra, continuarei sim amando os livros, os escritores, as bibliotecas - depositários do conhecimento da humanidade. Que Deus ilumine cada vez mais teu caminho para que o senhor possa nos agraciar com todo esse legado de conhecimento que lhe foi auferido pelo Altíssimo. Inajá Martins de Almeida
Irmã Inajá, mais uma vez muito obrigado por suas relevantes palavras de incentivo. Respeito muitíssimo tudo o que vem da senhora, porque a irmã não é uma leitora qualquer. Seu bom gosto, seus sábios critérios seletivos, seu lastro cultural e sua perspicácia são marcas visíveis nos seus textos.
ResponderExcluirAdorei esse texto indicado pela Inajá! e dialogar com Irvin...
ResponderExcluirSou escritora e não pude escapar disso e a cada dia venho entendendo que a as linhas que vem por vaidade nada são e passam, mas o que concebemos de cima, enche o coração - de quem escreve e de que lê - de luz.
Lindas as palavras de Suzana...
Sim, prezada escritora Aline Negosseki, a transitoriedade do que somos e do que escrevemos é inexorável. Lembro-me que isto tocou agudamente o sublime e delicado coração da inigualável poetisa brasileira Cecília Meireles, levando-a a escrever o poema Motivo, que ela colocou como pórtico do seu livro Viagem:
ResponderExcluirEu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Um dia todos nós: eu, você, a Inajá, e as pessoas que amamos, estaremos todos mudos. "Dormindo profundamente" (Manuel Bandeira). Mas o que tivermos escrito movidos pela inspiração que nos foi dada pelo Deus eterno que rege o destino dos vivos e dos mortos, estará revelando que em algum aspecto o mundo ficou mais belo (e não foi inutilmente, como disse Cecília Meireles em outro de seus poemas) quando por ele andou nossos corações.
Pastor, amigo e irmão em Cristo Jefferson
ResponderExcluirFeliz sou ao estar ocupando este espaço. Obrigada pelas palavras delicadas e dedicadas em meu blog http://blog-inaja.blogspot.com/2011/03/dialogo-entre-um-velho-livro-e-um.html, quando fiz menção ao magnifico texto de sua autoria. Aline, escritora e minha virtual dos últimos meses aqui se faz presente, o que me deixa mais grata ainda. São as letras que alinhavam encontros gratificantes. É a grande morada que vai formando sua família.
Obrigada sempre - Inajá
Prezada amiga Inajá, agradeço por você ter atraído leitoras da envergadura de uma Aline para o meu blog. Realmente, nossa família de amigos do livro está ficando cada vez mais rica. Muitíssimo obrigado.
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