segunda-feira, 11 de outubro de 2010

ACERCA DE UMA CERTA PALAVRA CHAMADA SAUDADE

Jefferson Magno Costa 
MAR PORTUGUÊS
Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu!

     Há na alma do povo brasileiro uma inclinação para a saudade, para a recordação, para a nostalgia. Esse sentimento está profundamente enraizado em nosso passado. Ele nos foi transmitido pelos nossos colonizadores, os portugueses.
     Misturando o sentimento de perda ou de longa ausência da pessoa amada, o vocábulo saudade (do latim solitatis, solidão) foi, durante muitos anos, uma palavra conhecida unicamente no idioma galego-português. Surgiu no período dos Descobrimentos, para expressar o que os portugueses que partiam de Portugal “por mares nunca dantes navegados” sentiam após meses e anos distantes de suas famílias.
     Esse sentimento foi muito bem expressado pelo poeta português Fernando Pessoa no poema Prece, entre outros. Nesse último, Fernando Pessoa modula a voz e fala com Deus acerca da profunda saudade que invadia a alma dos navegadores que descobriram o Brasil:
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância —
Do mar ou outra, mas que seja nossa!

     O africano, o negro trazido como escravo para trabalhar em nossos canaviais e cafezais, aprendeu com os colonizadores o profundo significado dessa palavra. À noite, nas senzalas, os escravos africanos constatavam o quanto a saudade doía quando se entregavam às recordações dos tempos em que viviam com os seus entes queridos que haviam ficado na África.
     Inspirando-se nesse tema, e prestando sua homenagem aos negros que sacrificaram sua vida e derramaram seu sangue nas plantações de cana e café do nosso país, o poeta mineiro Ciro Costa escreveu o soneto Pai João:


PAI JOÃO 
Ciro Costa
Do taquaral à sombra, em solitária furna,
Para onde, com tristeza, o olhar curioso alongo,
Sonha o negro, talvez, na solidão noturna,
Com os límpidos areais das solidões do Congo...

Ouve-lhe a noite a voz tristíssima e soturna,
Num profundo suspiro, entrecortado e longo...
É o rouco, surdo som, zumbindo na cafurna,
É o urucungo a gemer na cadência do jongo...

Bendito sejas tu, a quem, certo, devemos
A grandeza real de tudo quanto temos!
Sonha em paz! Sê feliz! E que eu fique de joelhos,

Sob o fúlgido céu, a relembrar, magoado,
Que os frutos do café são glóbulos vermelhos
Do sangue que escorreu do negro escravizado!

     Na poesia e na música de língua portuguesa existe muita saudade, muita nostalgia. No âmbito espiritual, a saudade tem sido uma constante na vida de todos nós, evangélicos, e lança suas raízes até o passado judaico.
     Durante o cativeiro na Babilônia, os judeus sentavam-se às margens dos rios e choravam com saudades de Sião. O salmo 137.1-6 é, na verdade, um tocante poema sobre esse sentimento de nostalgia, de saudade:
     “Junto dos rios de Babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião. Sobre os salgueiros que há no meio dela, penduramos as nossas harpas. Pois lá aqueles que nos levaram cativos nos pediam uma canção; e os que nos destruíram, que os alegrássemos, dizendo: Cantai-nos uma das canções de Sião.
     "Como cantaremos a canção do Senhor em terra estranha? Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, esqueça-se a minha direita da sua destreza.
      "Se me não lembrar de ti, apegue-se-me a língua ao meu paladar; se não preferir Jerusalém à minha maior alegria”.
     O genial poeta português Luis de Camões tratou poeticamente desse tema em um poema de 37 estrofes, do qual transcrevi 8. O poema foi escrito no português peculiar de 1500, com sua forma e sabor clássicos: 

JUNTO AOS RIOS DE BABILÔNIA
Luis de Camões

Sôbolos rios que vão
por Babilônia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.










Assim, depois que assentei
que tudo o tempo gastava,
da tristeza que tomei
nos salgueiros pendurei
os órgãos com que cantava.

Mas lembranças da afeição
que ali cativo me tinha,
me perguntaram então:
que era da música minha
que eu cantava em Sião?







Mas ó tu, terra de Glória,
se eu nunca vi tua essência,
  como me lembras na ausência?
  Não me lembras na memória,
  senão na reminiscência.

Que a alma é tábua rasa,
que, com a escrita doutrina
celeste, tanto imagina,
que voa da própria casa
e sobe à pátria divina.









Não é, logo, a saudade
das terras onde nasceu
a carne, mas é do Céu,
daquela santa Cidade,
donde esta alma descendeu.
Mas eu, lustrado com santo
Raio, na terra de dor,
de confusão e de espanto,
como hei-de cantar o canto
que só se deve ao Senhor?

E se eu mais der a cerviz
a mundanos acidentes,
duros, tiranos e urgentes,
risque-se quanto já fiz
do grão livro dos viventes.
E tomando já na mão
a lira santa e capaz
doutra mais alta invenção,
cale-se esta confusão,
cante-se a visão da paz.

A vós só me quero ir,
Senhor e grão Capitão
da alta torre de Sião,
à qual não posso subir,
se me vós não dais a mão.
Ditoso quem se partir
para ti, terra excelente,
tão justo e tão penitente
que, depois de a ti subir
lá descanse eternamente.
Essa saudade de Jerusalém (cidade celestial e eterna) passou a fazer parte dos sentimentos do cristianismo.
     Nós, futuros habitantes do Céu, também compartilhamos dessa saudade (mesmo sem nunca termos sido deportados para Babilônia, e jamais termos pisado as ruas de ouro e cristal da Sião eterna).
     Em nós, esse sentimento se constitui numa antecipada visão daquilo que teremos e viveremos na cidade eterna. O hino número dois da Harpa Cristã (Saudosa Lembrança) ilustra o que escrevo aqui:

Ó que saudosa lembança
Tenho de ti, ó Sião,
Terra que eu tanto amo,
Pois és do meu coração.
Eu para ti voarei,
Quando o Senhor meu voltar;
Pois Ele foi para o céu,
E breve vem me buscar.
Jefferson Magno Costa 

2 comentários:

  1. Pastor Jefferson
    Lindo texto. Imagino que essa saudade - esse sentimento quantas vezes inexplicável - muitos de nós a sentimos, sem ao menos conseguir explicá-la. Eu a senti muito. Hoje percebo que fora a falta do entendimento de Deus que gritava peito adentro. Era Deus que almejava habitar o meu interior e creio que acontece a todos quanto o buscam de todo o coração, pois só assim, poderão encontrá-lo de fato e de verdade. Venho acompanhando os textos aqui postados e, pouco a pouco, posso sorver as benésses das palavras. Que Deus o ilumine cada vez mais, para que o senhor possa nos abrilhantar sempre com essas pérolas. Sou grata a Deus por esta nossa aproximação.

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  2. Irmã Inajá, essa saudade só deixará de existir em nosso coração quando passarmos a viver na doce, plena e sublime companhia de Jesus.

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