Jefferson Magno Costa
MAR PORTUGUÊS
Fernando Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu!
Há na alma do povo brasileiro uma inclinação para a saudade, para a recordação, para a nostalgia. Esse sentimento está profundamente enraizado em nosso passado. Ele nos foi transmitido pelos nossos colonizadores, os portugueses.
Misturando o sentimento de perda ou de longa ausência da pessoa amada, o vocábulo saudade (do latim solitatis, solidão) foi, durante muitos anos, uma palavra conhecida unicamente no idioma galego-português. Surgiu no período dos Descobrimentos, para expressar o que os portugueses que partiam de Portugal “por mares nunca dantes navegados” sentiam após meses e anos distantes de suas famílias.
Esse sentimento foi muito bem expressado pelo poeta português Fernando Pessoa no poema Prece, entre outros. Nesse último, Fernando Pessoa modula a voz e fala com Deus acerca da profunda saudade que invadia a alma dos navegadores que descobriram o Brasil:
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.
Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância —
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
O africano, o negro trazido como escravo para trabalhar em nossos canaviais e cafezais, aprendeu com os colonizadores o profundo significado dessa palavra. À noite, nas senzalas, os escravos africanos constatavam o quanto a saudade doía quando se entregavam às recordações dos tempos em que viviam com os seus entes queridos que haviam ficado na África.
Inspirando-se nesse tema, e prestando sua homenagem aos negros que sacrificaram sua vida e derramaram seu sangue nas plantações de cana e café do nosso país, o poeta mineiro Ciro Costa escreveu o soneto Pai João:
PAI JOÃO
PAI JOÃO
Ciro Costa
Do taquaral à sombra, em solitária furna,
Do taquaral à sombra, em solitária furna,
Para onde, com tristeza, o olhar curioso alongo,
Sonha o negro, talvez, na solidão noturna,
Com os límpidos areais das solidões do Congo...
Ouve-lhe a noite a voz tristíssima e soturna,
Num profundo suspiro, entrecortado e longo...
É o rouco, surdo som, zumbindo na cafurna,
É o urucungo a gemer na cadência do jongo...
Bendito sejas tu, a quem, certo, devemos
A grandeza real de tudo quanto temos!
Sonha em paz! Sê feliz! E que eu fique de joelhos,
Sob o fúlgido céu, a relembrar, magoado,
Que os frutos do café são glóbulos vermelhos
Do sangue que escorreu do negro escravizado!
Na poesia e na música de língua portuguesa existe muita saudade, muita nostalgia. No âmbito espiritual, a saudade tem sido uma constante na vida de todos nós, evangélicos, e lança suas raízes até o passado judaico.
Durante o cativeiro na Babilônia, os judeus sentavam-se às margens dos rios e choravam com saudades de Sião. O salmo 137.1-6 é, na verdade, um tocante poema sobre esse sentimento de nostalgia, de saudade:
Durante o cativeiro na Babilônia, os judeus sentavam-se às margens dos rios e choravam com saudades de Sião. O salmo 137.1-6 é, na verdade, um tocante poema sobre esse sentimento de nostalgia, de saudade:
“Junto dos rios de Babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião. Sobre os salgueiros que há no meio dela, penduramos as nossas harpas. Pois lá aqueles que nos levaram cativos nos pediam uma canção; e os que nos destruíram, que os alegrássemos, dizendo: Cantai-nos uma das canções de Sião.
"Como cantaremos a canção do Senhor em terra estranha? Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, esqueça-se a minha direita da sua destreza.
"Se me não lembrar de ti, apegue-se-me a língua ao meu paladar; se não preferir Jerusalém à minha maior alegria”.
"Como cantaremos a canção do Senhor em terra estranha? Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, esqueça-se a minha direita da sua destreza.
"Se me não lembrar de ti, apegue-se-me a língua ao meu paladar; se não preferir Jerusalém à minha maior alegria”.
O genial poeta português Luis de Camões tratou poeticamente desse tema em um poema de 37 estrofes, do qual transcrevi 8. O poema foi escrito no português peculiar de 1500, com sua forma e sabor clássicos:
JUNTO AOS RIOS DE BABILÔNIA
JUNTO AOS RIOS DE BABILÔNIA
Luis de Camões
Sôbolos rios que vão
por Babilônia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
Assim, depois que assentei
que tudo o tempo gastava,
da tristeza que tomei
nos salgueiros pendurei
os órgãos com que cantava.
Mas lembranças da afeição
que ali cativo me tinha,
me perguntaram então:
que era da música minha
que eu cantava em Sião?
Mas ó tu, terra de Glória,
se eu nunca vi tua essência,
como me lembras na ausência?
Não me lembras na memória,
senão na reminiscência.
Que a alma é tábua rasa,
que, com a escrita doutrina
celeste, tanto imagina,
que voa da própria casa
e sobe à pátria divina.
Não é, logo, a saudade
das terras onde nasceu
a carne, mas é do Céu,
daquela santa Cidade,
donde esta alma descendeu.
Mas eu, lustrado com santo
Raio, na terra de dor,
de confusão e de espanto,
como hei-de cantar o canto
que só se deve ao Senhor?
E se eu mais der a cerviz
a mundanos acidentes,
duros, tiranos e urgentes,
risque-se quanto já fiz
do grão livro dos viventes.
E tomando já na mão
a lira santa e capaz
doutra mais alta invenção,
cale-se esta confusão,
cante-se a visão da paz.
A vós só me quero ir,
Senhor e grão Capitão
da alta torre de Sião,
à qual não posso subir,
se me vós não dais a mão.
Ditoso quem se partir
para ti, terra excelente,
tão justo e tão penitente
que, depois de a ti subir
lá descanse eternamente.
Essa saudade de Jerusalém (cidade celestial e eterna) passou a fazer parte dos sentimentos do cristianismo.
Nós, futuros habitantes do Céu, também compartilhamos dessa saudade (mesmo sem nunca termos sido deportados para Babilônia, e jamais termos pisado as ruas de ouro e cristal da Sião eterna).
Em nós, esse sentimento se constitui numa antecipada visão daquilo que teremos e viveremos na cidade eterna. O hino número dois da Harpa Cristã (Saudosa Lembrança) ilustra o que escrevo aqui:
Nós, futuros habitantes do Céu, também compartilhamos dessa saudade (mesmo sem nunca termos sido deportados para Babilônia, e jamais termos pisado as ruas de ouro e cristal da Sião eterna).
Em nós, esse sentimento se constitui numa antecipada visão daquilo que teremos e viveremos na cidade eterna. O hino número dois da Harpa Cristã (Saudosa Lembrança) ilustra o que escrevo aqui:
Ó que saudosa lembança
Tenho de ti, ó Sião,
Terra que eu tanto amo,
Pois és do meu coração.
Eu para ti voarei,
Quando o Senhor meu voltar;
Pois Ele foi para o céu,
E breve vem me buscar.
Jefferson Magno Costa
Pastor Jefferson
ResponderExcluirLindo texto. Imagino que essa saudade - esse sentimento quantas vezes inexplicável - muitos de nós a sentimos, sem ao menos conseguir explicá-la. Eu a senti muito. Hoje percebo que fora a falta do entendimento de Deus que gritava peito adentro. Era Deus que almejava habitar o meu interior e creio que acontece a todos quanto o buscam de todo o coração, pois só assim, poderão encontrá-lo de fato e de verdade. Venho acompanhando os textos aqui postados e, pouco a pouco, posso sorver as benésses das palavras. Que Deus o ilumine cada vez mais, para que o senhor possa nos abrilhantar sempre com essas pérolas. Sou grata a Deus por esta nossa aproximação.
Irmã Inajá, essa saudade só deixará de existir em nosso coração quando passarmos a viver na doce, plena e sublime companhia de Jesus.
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