Jefferson Magno Costa
Jefferson Magno Costa
ROTA DA MADRUGADA
Clélia Inácio Mendes
Quando
a madrugada quis surgir
ouvi
os soluços de Pedro
através dos muros de medo
que me cercaram.
Quando a madrugada se elevava,
o choro
claro e dorido de Pedro
martelava na minha alma
os pregos do madeiro
erguido ao longe.
Quando
a madrugada queria nascer
eu fui Pedro.
Meu choro abafou o da Montanha
que abalada pereceu!
O poema Rota da madrugada toca profundamente em um ponto crucial do nosso relacionamento com Cristo – nossa fidelidade a ele, e levanta diante de nossa consciência cristã marcada pelo peso e a significação de seu sacrifício na cruz, o grande problema da possibilidade – que jaz aos pés de todos nós, cristãos-evangélicos – de algum dia virmos a negar ao Senhor.
Este poema me faz lembrar de um conto que li há muito anos em um velha antologia de escritores orientais. Creio que seu autor era o russo Tchekov – um dos mais geniais contistas de todos os tempos, na linha de abordagens psicológicas. O enredo era simples; girava também em torno de uma negação em oculto.
Era noite de Natal. Protegendo-se da tempestade de neve que caía lá fora, um rapaz hospedou-se em uma casa à beira da estrada, e pôs-se a contar à duas mulheres que o escutavam atentas, a história de Jesus –de como Judas o traiu, de como Pedro o negou. Em determinado momento, o rapaz interrompeu a história diante do pranto inesperado e incontido de uma das mulheres. Era com se ela tivesse traído ocultamente alguém, ou negado alguma vez o próprio Jesus.
Quantos de nós, caso tivéssemos nos envolvido na mesma situação em que Pedro se envolveu, agiríamos de forma diferente da que ele agiu? Aqui, do alto deste distanciamento histórico em que estamos, é fácil acusarmos de covarde, de medroso àquele homem queimado pelo sol da Palestina, aquele pescador acostumado com a rudeza das pescarias e com os perigos do mar.
Que faríamos nós ao nos vermos cercados pelos “muros de medo” que circundavam Pedro, pelas mesmas circunstâncias que envolveram o homem que, horas antes, protestando aberta e corajosamente contra a prisão de Jesus, desembainhara a espada e cortara a orelha de Malco?
Quantas de nossas atitudes e fraquezas, diante do mundo e de nossas consciências, não se constituem em deslavadas traições ao maravilhoso Salvador! E observemos que Pedro chegou até a afirmar: “Ainda que seja necessário morrer contigo, não te negarei”, Mt 26.35.
Dando provas de uma sensibilidade poética genuína, Clélia Inácio Mendes reinterpreta, em outro poema, todo o episódio da negação de Pedro recriando a fala de Jesus:
A PEDRO
A PEDRO
Mt 26.31-35
Quando a noite
beijar os muros das cidades
e o canto do galo soar como gemido
Lembra-te Pedro,
estarei só!
A traição de Judas foi também alvo da fina sensibilidade da poetisa portuguesa Clélia Inácio Mendes. Tocando suavemente os contornos sensíveis daquela hora extrema, ela conseguiu recriar o quadro sentimental e psicológico daquele momento, quando Judas, em troca de 30 moedas, traiu o Mestre e enveredou por um caminho de perdição eterna:
ISCARIOTES
Mt 26.14-16
O céu se cobria de rapinas
e na terra havia sombras inquietas.
Cortando a noite
a voz de Iscariotes agitava os salgueiros
onde alguém esquecera o pranto
e uma velha harpa
que começara tangendo.
Clélia também enfoca poeticamente o julgamento de Jesus, reconsiderando a situação produzida pela ignorância do povo, uma situação muito bem definida pelo próprio Salvador: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem...” O emprego do pronome indefinido com relação a Jesus – “Está um Deus...” – justifica-se pelo desconhecimento, por parte do povo, do que realmente significava aquele julgamento, aquela condenação, aquela morte de cruz, aquele sacrifício do Filho de Deus, o estar Deus entre nós.
NO SINÉDRIO
NO SINÉDRIO
Mt 26.57-68
Está um Deus entre os homens
e são as correntes
que O saúdam
e as pancadas que O acariciam.
Está um Deus entre o povo
e são de raiva e ira
as vozes que O aclamam.
Jefferson Magno Costa