domingo, 31 de outubro de 2021

POR QUE ADÃO PERDEU A POSIÇÃO DE REI DA TERRA

PR. JEFFERSON MAGNO COSTA
      Por que Adão perdeu, com o Paraíso, sua posição de rei sobre a Terra? Porque não se contentou em ter sido criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26). Adão quis ser como o próprio Deus, que o criara à Sua imagem e semelhança.
       A tentação com a qual o diabo o levou à derrota foi prometer-lhe que ele seria como Deus: “...e sereis como Deus”, Gn 3.5. Todos nós sabemos que antes de Adão, essa tinha sido a pretensão de Lúcifer, e que isso culminara em sua expulsão do Céu.
      Ora, considerando a posição de destaque e autoridade que Adão recebera ao ser criado (foi-lhe dado o domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, e sobre os animais da terra, e sobre toda a Terra, Gn 1.28), ele já era como Deus. 
      Isto torna-se mais evidente ainda quando reconsideramos que Adão havia sido criado à imagem e semelhança de Deus. Então, se ele já era como Deus, o que de diferente o diabo lhe prometeu com aquele “e sereis como Deus”?  
      Adão era como Deus na representação, mas não era como Deus na soberania. E foi exatamente na soberania que o diabo prometeu a Adão que ele seria como Deus. Prometeu-lhe a soberania do conhecimento: Adão conheceria o bem e mal.
     Na verdade, foi uma promessa verdadeiramente diabólica, porque o bem Adão já conhecia. Que vantagem Adão obteria em conhecer o mal? Nenhuma. Só desgraça, que é a única coisa que o diabo tem para oferecer. 
      Os únicos impedimentos que lhe mantinham distante da árvore da ciência do bem e do mal (Gn 2.16,17) era o mandamento que lhe proibia de comer do seu fruto, e a obediência que Adão deveria ter para com Deus em ser fiel àquele mandamento.
     Mas Adão quebrou o mandamento e negou obediência a Deus. E imediatamente após o seu pecado, os animais também lhe negaram obediência. Adão perdeu a imagem através da qual representava a Deus politicamente diante de toda a Natureza.
       Comentando essa passagem, o grande pregador grego Crisóstomo (349-407) construiu o seguinte paralelo:
     "Você já observou a sujeição com que o seu cão lhe reconhece, a prontidão com que atende ao seu chamado, o amor com que lhe segue, e o alvoroço com que lhe recebe quando você chega da rua, e dando saltos, faz festa diante de você?
     "Porém, experimente disfarçar o rosto, e verá que esse mesmo cão, latindo furiosamente, virá ao seu encontro como se você fosse um estranho ou uma pessoa inimiga, e lhe atacará, não deixando você entrar em sua própria casa.
     "Pois foi isso mesmo o que aconteceu entre Adão e todos os animais, depois que ele mudou de semblante e perdeu a imagem de Deus, que era a autoridade visível do domínio do mundo que Deus tinha delegado a ele".
      Isto lhe aconteceu porque Adão não quis continuar sendo imagem e semelhança de Deus, mas ser como o próprio Deus.
     Porém, e infelizmente, ao comer do fruto proibido, Adão passou a conhecer o bem e o mal, mas não conquistou a soberania que o diabo lhe prometera, pois não adquiriu o poder de controlar o bem e o mal.
    E o resultado é o que vemos hoje: uma crescente onda de maldade que avança como um tsunami, ameaçando engolir o mundo.

PR. JEFFERSON MAGNO COSTA
 


sábado, 30 de outubro de 2021

A FORÇA DA LONGANIMIDADE

PR. JEFFERSON MAGNO COSTA

Longanimidade é outra das divisões do fruto do Espírito Santo (um gomo, como se esse fruto fosse uma laranja), e caracteriza uma pessoa que enfrenta as adversidades da vida com coragem, perseverança e confiança em Deus. Longanimidade também está relacionada com generosidade e bondade. Quem tem a grande paciência para suportar ofensas e calúnias, pode ser considerada uma pessoa longânimo.
                          Nosso ego deve ser resistido
A maior e mais verdadeira prova de amor que podemos dar é negarmos todos os dias o nosso eu, e nos esforçarmos para sermos simpáticos e convivermos com pessoas que não vão com a nossa cara, que fingem que não nos veem quando passam por nós, que nos criticam e falam mal de nós pelas costas. É exatamente a essas pessoas que devemos doar a nossa atenção, os nossos cuidados, o nosso amor.

Pois foi exatamente isso que Jesus nos ensinou: “Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (Mateus 5.44). Devemos compreender, aceitar, apoiar, conviver e amar essas pessoas. Isso é resistir ao nosso ego. O amor afirma, o ódio nega.
                         Como cultivar a longanimidade?
A longanimidade, esse preciosíssimo componente do fruto do Espírito, nos transforma na pessoa que nós queremos nos tornar, na pessoa que nós queremos ser. Na arte de viver, é preciso aprender ouvir, sorrir e ter paciência. Todavia, ter paciência é difícil, mas o resultado é gratificante. Com a passagem do tempo aprendemos a ter paciência. Quanto menos tempo de vida nos resta, maior é a nossa capacidade de esperar.

Ter paciência é o primeiro passo rumo à realização de um sonho. Aprendamos, portanto, a ter paciência e a esperar. Nem tudo acontece quando queremos. O tempo tem sido meu professor, sua principal lição tem me ensinado a ter paciência, ensinado a esperar. A colheita requer um tempo. 
Nós, como servos de Jesus Cristo, temos de aprender a ter paciência, saber ouvir e nos colocarmos no lugar do outro, por mais problemático que ele seja, pois quem ouve e compreende tem o dom de se colocar na mesma situação, entender o problema, e dar força para juntos encontrarmos a solução. Deus possui o melhor para cada um de nós. Basta termos paciência, e tudo chegará no momento certo.
                         A longanimidade é uma bênção
Quem é longânimo também é fiel. O segredo da fidelidade é a eterna vigilância com relação a nós mesmos, e com relação aos nossos compromissos com Cristo. A Palavra de Deus diz em Apocalipse 2.10: “Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida”.

Jesus também disse que era para amarmos uns aos outros. Quando se ama, a longanimidade e a fidelidade não custam nada. “É comum ter um amigo, mas a sua fidelidade é rara”, disse o fabulista grego Fedro (15a.C.-50 d.C.) 
E quanto ao amor do esposo pela esposa, é tão absurdo dizer que ele não pode amar a mesma mulher durante toda a sua vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música. “Só a pessoa que manda com amor é servida com fidelidade”, disse o grande teólogo espanhol Francisco de Quevedo (1580-1645).
                   A credibilidade é fruto da longanimidade
O que é credibilidade? É a qualidade daquilo ou de quem é digno de confiança. Por exemplo: A Bíblia é o livro mais crível, de maior credibilidade sobre a face da Terra: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). A pessoa que é digna de credibilidade consegue ou conquista a confiança de outras pessoas; possui crédito. Quantos de nós somos dignos de credibilidade? Quantos de nós possuímos crédito?

Certo professor disse aos seus alunos: “Transportai um punhado de terra todos os dias e no final de alguns anos construireis uma montanha”. O que vale a pena possuir vale a pena esperar. A longanimidade perseverante faz com que as dificuldades desaparecerem e os obstáculos sumam. Quem não é longânimo corre o risco de ser um traidor. A traição de um amigo é mais dolorosa do que um amor não correspondido. O caso de Judas e Jesus é o maior de todos os exemplos.
                      Quem é longânimo ama sem ser amado

Podemos definir o inferno com três letras: amor não correspondido. É incrível como Alguém possa romper o seu coração por amor a alguém, e Ele continuar amando essa pessoa com cada um dos pedaços do Seu coração. Foi isso que Jesus Cristo fez por nós: Ele nos amou primeiro quando nós ainda éramos seus inimigos e não o conhecíamos: “Nós o amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo4.19. Veja também Rm 5.6-9).

Somente aqueles que receberam a Salvação e aceitaram Aquele que pagou o seu preço, conhecem o real valor da Salvação! “A Salvação é um mistério de Deus oculto desde a fundação do mundo para ser revelado numa Cruz!”, disse o pastor Salomão. 
Outro pastor, em uma pregação, disse: “Quando a Bíblia entra no homem e o homem na Bíblia, todo o impossível passa a ser possível. Se você ainda está procurando o seu milagre é porque você ainda não entendeu que o maior milagre é a sua salvação! – disse o pastor Francinaldo Araújo.

Talvez haja apenas um pecado capital: a impaciência. Devido à impaciência, fomos expulsos do Paraíso; devido à impaciência, muitos não poderão voltar para lá. Jesus tinha a força perante a qual os outros se dobravam: a calma. Paciência e perseverança têm o efeito poderoso de fazer as dificuldades desaparecerem e os obstáculos sumirem. 
Aquele que tiver paciência terá o que deseja. "Um momento de paciência pode evitar um grande desastre; um momento de impaciência pode arruinar toda uma vida" (Provérbio Chinês). A paciência é a única solução para os males que não têm solução. Com paciência e perseverança, muito se alcança. 
                           Amor não correspondido
Para você que se pergunta se tem algo pior do que amor não correspondido, eu respondo: Tem sim. Aids, fome, racismo, terrorismo, homofobia, câncer, desastres naturais, violência, maus tratos humanos, miséria, mortes. Tudo isso é muito pior do que um amor não correspondido. Mas você não pensa assim, não é mesmo? Claro que não.

Para você que tem casa, comida, o que vestir, dinheiro para sair no final de semana, banda larga na internet, parentes ao seu lado, saúde e uma cama quentinha para dormir nas noites frias, a única coisa que pode faltar na sua vida é (caso você ainda não o tenha) Jesus. Porém, pratique uma atitude de amor: Ofereça o seu Jesus para as outras pessoas, e elas e você serão felizes, pois Ele é quem nos salva, nos cura, nos ensina a verdadeira longanimidade, e nos leva para o Céu.

O grande escritor francês Gustave Le Bon disse que “o homem que não sabe dominar os seus instintos, é sempre escravo daqueles que se propõem a satisfazê-los”. Falando sobre o controle dos impulsos, a Palavra de Deus nos ensina em Provérbios 17.27,28: “Retém as suas palavras o que possui o conhecimento, e o homem de entendimento é de precioso espírito. Até o tolo, quando se cala, será reputado por sábio; e o que cerrar os seus lábios, por entendido”.

Na condução das questões humanas, não existe lei melhor do que o autocontrole, já disse um grande doutrinador religioso. Um grande campeão de boxe declarou que “o verdadeiro campeão vence calado por que sabe que é no silêncio que encontra o autocontrole, e sabe também que o pódio onde ele empunhará o cinturão de campeão é só uma questão de tempo e disciplina...”

O grande pregador britânico John Stott afirmou certa vez que “o autocontrole é, antes de tudo, o controle da mente. O que semeamos em nossas mentes, colheremos em nossas ações. ‘Ler É Viver’ foi o lema de uma recente campanha publicitária. É um testemunho do fato de que a vida não consiste apenas em trabalhar, comer, dormir.
A mente tem de ser também alimentada. E o tipo de comida que nossas mentes receberem que determinará que tipo de pessoa seremos. Mentes sadias têm um apetite sadio. Temos de satisfazê-las com alimento saudável, e não com drogas e venenos intelectuais perigosos.

Quando se tem autocontrole, não é qualquer comentário que nos faz perder a paciência. E não devemos esquecer que temos um Deus que pode fazer tudo dar certo. E a nós Sua graça nos basta. Tenham paciência: o futuro é hoje.
          Aprendendo a ser longânimo
Quem é longânimo é constante, paciente e persistente. Exercer a constância é exercitar a permanência. A pessoa constante não é aquela que pratica uma resignação passiva. Longanimidade é um atributo de Deus, conforme Salmo 86.15: “Mas tu, Senhor, és um Deus cheio de compaixão, e piedoso, e sofredor, e grande em benignidade e em verdade”. Longanimidade é parte do fruto do Espírito Santo (Gálatas 5.22).

Olhem que belíssima oração o apóstolo fez aos seus amigos e irmãos em Cristo (Cl 1.9-12): “Por esta razão, nós também, desde o dia em que o ouvimos, não cessamos de orar por vós e de pedir que sejais cheios do conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e inteligência espiritual; para que possais andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda boa obra e crescendo no conhecimento de Deus; corroborados em toda a fortaleza, segundo a força da sua glória, em toda a paciência e longanimidade, com gozo, dando graças ao Pai, que nos fez idôneos para participar da herança dos santos na luz”.
Longanimidade significa colocar-se sob um fardo de aflição e transformá-lo em Glória.

Como servos de Deus, devemos ser longânimos (pacientes) com todas as pessoas. Bombardeados pelas adversidades, devemos nos manter sob o controle da longanimidade, conforme o apóstolo Paulo fala em Romanos 5.3-5: 
“E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência; e a paciência, a experiência; e a experiência, a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado”. 
Quem ama pratica a longanimidade, pois “O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta". (1Co 13 4-7).

Longanimidade é uma qualidade aplicada com mais frequência a Deus. Seu significado original é “afastar a fúria enquanto se sofre uma ofensa ou injustiça”. Quem, senão Deus, pode ser completamente longânimo? Somente Ele é “grande em benignidade” e “tardio em irar-se” (Sl 86.15). No entanto nós, cristãos, também podemos nos tornar longânimos pelo poder do Espírito Santo.

PR. JEFFERSON MAGNO COSTA





sexta-feira, 29 de outubro de 2021

ADÃO E EVA PECARAM COM OS CINCO SENTIDOS;

        PR. JEFFERSON MAGNO COSTA
PARA NOS REDIMIR, CRISTO PADECEU NOS CINCO SENTIDOS (Ajuda para sua pregação)
     










Eva, que depois foi acompanhada de Adão, em um só pecado, pecou com os cinco sentidos.
     Pecou com a audição, ouvindo a serpente (Gn 3.1-2); pecou com a visão, olhando desejosa para o fruto proibido (Gn 3.6); pecou com o tato, ao pegar o fruto para comê-lo (Gn 3.6); pecou com o olfato, ao sentir o cheiro do fruto proibido, quando o aproximou do nariz, no momento de comê-lo (Gn 3.6); e pecou com o paladar, ao comer o fruto (Gn 3.6).
     Portanto, nossos primeiros pais, ao pecarem contra Deus desobedecendo sua ordem (Gn 2.16,17), pecaram com os cinco sentidos.
     E como Cristo veio ao mundo a fim de nos redimir dos pecados dos nossos primeiros pais e dos nossos pecados (Rm 4.25; 1Pe 3.18; 1Jo 2.2), padeceu nos cinco sentidos para realizar essa redenção.
     








Jesus padeceu no sentido da audição, ao ouvir a frase “Eu te saúdo Rabi”, com a qual Judas o traiu e o entregou aos homens que o vieram prender (Mt 26.49); padeceu nesse sentido quando ouviu as duas falsas testemunhas deporem contra ele (Mt 26.59-62); padeceu ao ouvir aqueles que pouco antes o aclamavam, e agora pediam sua morte (Jo 19.5,60). 
      Padeceu ao ouvir Pilatos reconhecer que Ele era justo, mas em seguida o entregar aos judeus para ser crucificado (Mt 27.24); padeceu ao ouvir ser acusado de malfeitor (Jo 18.29,30) e de pervertedor do povo (Lc 23.14). Padeceu ouvindo as blasfêmias e os escarnecimentos do povo e dos príncipes dos sacerdotes contra ele (Mt 27.39-43); e padeceu ouvindo os malfeitores o insultarem (Mt 27.44).
     E em nenhum momento Aquele que com palavras e obras havia consolado tanta gente, ouviu uma única palavra de consolo.
   








Jesus também padeceu no sentido da visão, ao ver todos os seus discípulos fugirem. Ele viu que um o entregou traiçoeiramente; viu que outro o negou três vezes vergonhosamente. Viu-se ser atado e levado preso pelas ruas de Jerusalém. Viu quando vendaram os seus olhos para o insultarem e o espancarem. Viu quando o despiram no Pretório para o açoitarem. Viu quando o despiram no Calvário, e ele ficou exposto durante várias horas à vista de todos os que estavam ali. 
     Viu a sua desconsolada mãe ao pé da cruz, em cujo coração e em cujos olhos estava outras três vezes crucificado. Finalmente, viu os meus e os seus pecados, e o quanto nós havíamos de ser ingratos diante de todo aquele amor que ele expressou por nós.
     









Jesus padeceu no sentido do tato, não ficando parte alguma em todo o seu corpo sagrado que não fosse martirizada com terrível tormento. Padeceu com as cordas e correntes com as quais o amarraram; padeceu no rosto as bofetadas; padeceu na cabeça a coroa de espinhos; padeceu nos ombros o peso e a aspereza da cruz; padeceu nas costas as centenas de açoites; padeceu nas mãos e nos pés a aguda e indescritível dor dos cravos com os quais o fixaram no madeiro. 
      E em todos os seus ossos, em todos os seus nervos, em todas as suas veias, em todas as suas artérias, ele padeceu o estiramento, a agonia quando foi suspenso, e a violência mais do que mortal de estar várias horas pendurado na cruz, até expirar nela.
   









Jesus padeceu no sentido do olfato, porque morreu entre os terríveis maus cheiros do monte Calvário. Esse monte tinha esse nome por causa das caveiras e dos ossos dos malfeitores que eram crucificados ali. Por terem sido enterrados de qualquer jeito pelos algozes, ou porque depois os cães os desenterravam, os restos mortais dos crucificados ficavam espalhados por todo o monte. 
   Misturados com o sangue que apodrecia sobre as pedras, tornavam aquele lugar asqueroso, insuportável ao olfato, e de embrulhar o estômago de qualquer um.
     Em virtude daquele que nos redimiu dos nossos pecados ter-se submetido ao mais aviltante gênero de morte que existia naquela época (aconselho o leitor a ler o mais esclarecedor e impressionante livro já escrito até hoje sobre esse assunto, A Crucificação de Cristo Descrita por um Cirurgião, publicado pela Editora Central Gospel), ele também, para nos redimir, submeteu-se às circunstâncias do lugar onde morreria, respirando com grande dificuldade os terríveis odores da podridão daquele lugar.
     






Finalmente, Jesus padeceu no sentido do paladar, sofrendo aquela ardentíssima sede que sentiu enquanto esteve pendurado na cruz. A sede revelou-se um tormento incomparavelmente mais terrível que todos os outros tormentos, porque só ela obrigou o pacientíssimo Redentor a pedir alívio (Jo 19.28). Seu paladar provou o azedo do vinagre e o amargo do fel como parte do preço que pagou por nós.
     E se foi desta maneira que tão amorosamente Cristo padeceu por mim e por você, será muito justo que eu e você em algum sentido também padeçamos alguma coisa por amor a ele.
     Em Filipenses 2.5 está escrito: ”De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus.” Os cinco sentidos através dos quais Cristo sofreu por amor a nós, nós devemos consagrá-los por amor a Ele.
   Mortifiquemos nossa audição. Fujamos das conversações, não só as ilícitas e ociosas, mas também das lícitas. Troquemos o ouvir pelo ler, lendo a Palavra de Deus, na qual Deus nos fala e nós o ouvimos. 
      Na oração, nós falamos com Deus, e na leitura de sua Palavra, Deus fala conosco. “E disse-me o Senhor: Filho do homem, pondera no teu coração, e com os teus olhos, e ouve com os teus ouvidos, tudo quanto eu te disser de todos os estatutos da casa do Senhor, e de todas as suas leis...” (Ez 44.5).
     Mortifiquemos nossa visão. “Não porei coisa má diante dos meus olhos” (Sl 101.3), disse o salmista. Os nossos olhos têm duas funções: Ver e chorar. E parece que Deus os criou mais para chorar do que para ver, pois os cegos não veem, e choram. Chorem, portanto, os nossos olhos pedindo perdão pelos nossos pecados, e chorem muito mais por nunca terem se voltado para contemplar os sofrimentos do nosso Deus na cruz.
     Devemos mortificar o nosso tato ajoelhando-nos diante do Senhor para pedir-lhe que perdoe os nossos pecados, mortificando o nosso corpo, buscando estreitar nossa comunhão com Ele através do sacrifício. A cama na qual o nosso Jesus dormiu o último sono da morte, nós bem sabemos qual foi. Pois seria justo que enquanto ele teve por cama o duro madeiro da cruz, nós permanecêssemos preguiçosamente deitados no conforto das nossas camas?
     Mortifiquemos o nosso olfato. “E andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave” (Ef 5.2). Os que conhecem ao Senhor, onde chegam exalam a fragrância desse conhecimento, o que nos leva a deduzir que quem não conhece ao Senhor, por mais intelectual, interessante e "descolado" que pareça, exala o fedor do diabo (2Co 2.14): "E graças a Deus, que sempre nos faz triunfar em Cristo, e por meio de nós manifesta em todo o lugar a fragrância do seu conhecimento".
     E finalmente, mortifiquemos o nosso paladar através do jejum (2Co 11.27). "Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo" (Rm 14.17).

PR. JEFFERSON MAGNO COSTA 




quinta-feira, 28 de outubro de 2021

TERRÍVEL PALAVRA É O “NÃO!”

PR. JEFFERSON MAGNO COSTA

       Terrível palavra é um “Não!”. Em latim, ela expressa de maneira mais clara o quanto é terrível: Non. Não tem direito nem avesso. Por qualquer lado que a tomemos, sempre soa e diz o mesmo. Caso a leiamos do princípio para o fim ou do fim para o princípio, sempre é non (não).    

     Quando a vara de Moisés se transformou naquela serpente tão feroz que ele fugiu dela para que ela não o picasse (Ex 4.3), o Senhor disse a Moisés que a pegasse pela cauda; ele a pegou, e imediatamente a serpente perdeu a sua ferocidade, a sua peçonha, a sua figura de serpente, e voltou a ser vara (v. 4).    

     O non (não) não é assim. Porque por qualquer parte que você o considere, sempre é serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança, que é o último remédio que a Natureza deixou para todos os males.

       Não há muralha que suporte o impacto do seu efeito, nem artifícios que o abrandem, nem agrados posteriores que o adocem. Quando o "não" é proferido, não haverá mais palavras que o adocem. Por mais que tentemos colocar açúcar sobre ele para disfarçá-lo, um “não” sempre amarga; por mais que o ornamentemos, o "não" sempre soará aos ouvidos de quem o ouviu como algo feio; por mais que o douremos, o "não" sempre será de ferro. O "não" sempre soará desarmonioso, áspero e duro.


     Uma antiga tradução hebraica de 1Rs 2.20, que registra um pedido que Bate-Seba fez ao seu filho e rei Salomão em nome de Adonias, e é habitualmente traduzida como: “...Só uma pequena petição te faço; não ma rejeites", nessa antiga tradução aparece como: “não envergonhes a minha face”. E por que no original hebraico se diz que é equivalente a “envergonhar a face” quando se nega o que se pede? É porque dizer "não" a quem pede é como dar-lhe uma bofetada com a língua. Tão dura, tão áspera, tão injuriosa é a palavra “não”. Para a necessidade, dura; para a honra, afrontosa; para o mérito  não reconhecido, uma injustiça.

O SENHOR PREFERIU PARAR DE NEGOCIAR COM ABRAÃO A TER DE DIZER-LHE UM “NÃO”


     E se um “não” é tão duro para quem o ouve, não é menos duro para quem o diz. E se o "não" vier dos lábios de alguém que tem um coração generoso, ou ocupa uma posição de liderança sobre quem o ouviu, esse "não" torna-se muito mais duro.

     Dos três anjos que apareceram a Abraão no vale de Manre, os dois que representavam ministros partiram para executar o castigo nas cidades, a começar por Sodoma, e o terceiro ou primeiro que representava Deus, ou era o próprio Jesus, ficou na companhia de Abraão, e conversou com ele..

       O fato de estar só com Deus ser o momento ideal para negociar com Ele, levou o patriarca a encorajar-se e a pedir a revogação da sentença de destruição de Sodoma e Gomorra. Abraão argumentou assim com Deus (Gn 18.24-33):


     “Se, porventura, houver cinquenta justos na cidade, destruí-los-ás também e não pouparás o lugar por causa dos cinquenta justos que estão dentro dela? Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti seja. Não faria justiça o Juiz de toda a terra? Então, disse o SENHOR: Se eu em Sodoma achar cinquenta justos dentro da cidade, pouparei todo o lugar por amor deles. E respondeu Abraão, dizendo: Eis que, agora, me atrevi a falar ao Senhor, ainda que sou pó e cinza. Se, porventura, faltarem de cinquenta justos cinco, destruirás por aqueles cinco toda a cidade? E disse: Não a destruirei, se eu achar ali quarenta e cinco. E continuou ainda a falar-lhe e disse: Se, porventura, acharem ali quarenta? E disse: Não o farei, por amor dos quarenta. Disse mais: Ora, não se ire o Senhor, se eu ainda falar: se, porventura, se acharem ali trinta? E disse: Não o farei se achar ali trinta. E disse: Eis que, agora, me atrevi a falar ao Senhor: se, porventura, se acharem ali vinte? E disse: Não a destruirei, por amor dos vinte. Disse mais: Ora, não se ire o Senhor que ainda só mais esta vez falo: se, porventura, se acharem ali dez? E disse: Não a destruirei, por amor dos dez. E foi-se o SENHOR, quando acabou de falar a Abraão; e Abraão tornou ao seu lugar”.

     Admirável e espantosa despedida! O Senhor não aguardou que Abraão insistisse mais ou rogasse por menos justos. A submissão e a santa reverência com que Abraão insistia e passava de um pedido a outro foram admiráveis, e ilustram o quanto nós devemos perseverar nas nossas orações. A perseverança e insistência de Abraão fez com que negociação de Abraão com o nosso Senhor Jesus Cristo fez com que o Filho de Deus se detivesse um pouco mais na companhia de seu servo, para ouvi-lo. 

     Ora, se o Senhor tinha esperado Abraão apresentar seus argumentos e perguntas, não só com paciência e até com um certo contentamento, desde a primeira instância (a primeira pergunta de Abrão com o número dos possíveis justos), até à sexta (também apresentando o possível número de justos), por que o Senhor Jesus não esperou a sétima intercessão de Abraão, e se retirou tão súbita e inesperadamente? Para não ser forçado a dizer um “não”.

     A visita do Senhor ao seu amigo Abraão (Tiago 2.23) tinha como propósito avisá-lo que Sodoma e Gomorra seriam destruídas. Mas a destruição estava alicerçada em dois decretos: um condicional, outro absoluto. O condicional era que se nas cidades houvesse até 10 justos, o castigo seria suspenso. O absoluto era que se existissem menos de 10, o castigo seria executado e as cidades destruídas pelo fogo.

     E como o Senhor, que diante das seis petições de Abraão, tão benevolamente tinha sempre dito sim, sabia que se Abraão continuasse e insistisse com a sétima pergunta, Ele seria forçado a dizer "não", para não ter que pronunciar essa duríssima palavra, desapareceu.

       Naquelas cidades não havia mais que quatro pessoas que poderiam ser consideradas justas, compostas de Ló, a esposa e as duas filhas, sua família. Portanto, menos de dez pessoas.

     E para que o Senhor não tivesse o dissabor de pronunciar essa palavra tão dura a Abraão, seu amigo, nem o patriarca o desgosto de a ouvir, o Senhor desapareceu. Tudo para não ter de que pronunciar diante do pai dos futuros israelitas, a palavra “Não!”.

PR. JEFFERSON MAGNO COSTA

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

O ESCRITOR EVANGÉLICO E A LÍNGUA PORTUGUESA



PR. JEFFERSON MAGNO COSTA
Excelentíssimo senhor Presidente da Academia Evangélica de Letras do Brasil, Reverendo Guilhermino Cunha; excelentíssimas demais autoridades presentes; caríssimos convidados, nobres confrades e confreiras:
Ninguém hoje espere ingenuamente tornar-se um hábil escritor, seguro do seu ofício e influenciador de sua geração sem, antes, esforçar-se para conhecer as regras e as riquezas expressionais de sua língua.
Só conseguiremos atuar impactante e eficientemente como escritores evangélicos se nos esforçarmos para redescobrir e dominar os amplos recursos da língua portuguesa.
É nosso dever estudá-la permanentemente, com a mesma persistência que o aclamado poeta François Coppé demonstrou no estudo do francês. Ele chegou a responder a uma norte-americana que lhe perguntou se ele falava inglês: “Não, minha senhora... Continuo a aprender francês”.
 A língua que foi enaltecida por Camões, Antônio Vieira, Manuel Bernardes, Herculano, Camilo Castelo Branco, Almeida Garret, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Drummond, Florbela Espanca, Luís Fernando Veríssimo, Henriqueta Lisboa, Cecília Meireles e tantos outros escritores notáveis na antiguidade e na modernidade, necessita hoje mais e mais de embaixadores evangélicos que a enobreçam, que a enriqueçam, que a prestigiem, que a divulguem pelo mundo inteiro por meio de obras-primas de interesse cristão e universal.
  Assim fizeram em inglês os nossos irmãos em Cristo John Bunyan, com O Peregrino; John Milton, com O Paraíso Perdido; C. S. Lewis, com a série As Crônicas de Nárnia, e outras obras. Isto só para citarmos alguns dos grandes escritores evangélicos que escreveram e ultrapassaram as fronteiras evangélicas, conquistando também milhares de leitores no mercado secular.
  Nós, escritores evangélicos, estamos em dívida para com nossa língua, a portuguesa; língua que o poeta Manuel Bandeira usou para, em um soneto, honrar o imortal autor de Os Lusíadas, Luís Vaz de Camões. Disse Bandeira:

Quando n'alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.

Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,

Não morrerá sem poetas nem soldados,
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.

 “Minha pátria é minha língua”, disse o genial poeta português Fernando Pessoa. E também é a nossa, a pátria dos escritores evangélicos brasileiros. O gramático Napoleão Mendes de Almeida fez uma oportuna advertência no prefácio de sua Gramática Metódica. Disse ele:
“Conhecer a língua portuguesa não é privilégio de gramáticos, senão de todo brasileiro que preza sua nacionalidade. É erro de consequências imprevisíveis acreditar que só os escritores profissionais têm a obrigação de saber escrever. Saber escrever a própria língua faz parte dos deveres cívicos.”
Todavia, não é minha intenção deixar subentendido aqui que só escrevem bem aqueles que possuem conhecimentos gramaticais tão sólidos como os de um Napoleão Mendes de Almeida, os de um Celso Cunha ou os de um professor Pasquale Cipro Neto, e outros. Não cheguemos a tanto; a não ser que tenhamos inegável vocação para o estudo específico da língua, conforme tiveram os pastores Eduardo Carlos Pereira e Vittorio Bergo, autores de gramáticas e de outros trabalhos de natureza filológica nacionalmente reconhecidos.
"Dicionarista e gramático não são sinônimos de bom escritor. Tem-se observado, por exemplo, que os grandes dicionaristas, os grandes gramáticos, embora conhecendo todos os recursos da palavra, todos os processos que levam uma pessoa a escrever bem, raramente são grandes escritores”, foi o que nos lembrou o filólogo português Cândido de Figueiredo.
É um fato que todas as histórias das literaturas confirmam. Escrever bem requer algo mais do que sólidos conhecimentos linguísticos. Requer sensibilidade, imaginação e um toque pessoal de arte (também conhecido como originalidade). Em uma palavra: talento.
Portanto, ninguém adquire capacidade e sensibilidade literárias lendo tão-somente gramáticas. O estudo da gramática não é a melhor forma de alguém aprender a amar ou dominar o seu idioma. O estudo da gramática não faz escritor, faz filólogo. Só os grandes escritores são capazes de nos ensinar a escrever bem.
O melhor, o mais agradável e fecundo caminho para alguém familiarizar-se e passar a amar o seu idioma é lendo os melhores livros dos melhores escritores da literatura que esse idioma produziu. Mas fazer essa leitura não significa que devemos dar um mergulho em milhares de obras; o essencial é que leiamos as melhores.
Para quem já é ou deseja tornar-se escritor, o amor ao idioma materno é fundamental. O poeta português António Ferreira (1528-1569), grande apaixonado pela língua portuguesa, numa época em que muitos escritores portugueses escreviam em espanhol por se envergonharem do seu idioma ou ambicionarem maior notoriedade, deixou-nos a seguinte estrofe de uma ode:

Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
a portuguesa língua, e já onde for,
Senhora vá de si, soberba e altiva;
Se até aqui esteve baixa e sem louvor
Culpa é dos que a exercitam,
Esquecimento nosso e desamor.

Nós, brasileiros, que produzimos um soneto de exaltação à língua portuguesa, como este belíssimo e perfeito, escrito pelo poeta carioca Olavo Bilac:

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo que na ganga impura
a bruta mina entre os cascalhos vela.

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura.

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo:
Amo-te, ó rude e doloroso idioma!

Em que da voz materna ouvi: “Meu filho”,
Em que Camões chorou no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho.

Nós, que temos um lastro, uma herança tão rica e tão bela composta de obras literárias que vêm sendo escritas por exímios artistas da palavra, estamos hoje, em muitos aspectos, em uma situação de vergonhoso desconhecimento das riquezas do nosso idioma.
O jornalista maranhense Lago Burnett, que durante muitos anos chefiou a redação de O Jornal do Brasil, descreveu num momento de desabafo no seu livro A Língua Envergonhada, a atitude de muitos brasileiros para com essa que é considerada a segunda língua mais rica em sonoridades, a segunda dotada de maior musicalidade, entre todas as que se derivaram do Latim. (Só para os curiosos: a primeira é o italiano). Eis o texto, veemente e irônico, do jornalista:
"O brasileiro não suporta a sua língua. Se lhe fosse permitido escolher, preferiria qualquer outro idioma, até mesmo o sânscrito, o latim, o hebraico, o iídiche, o patoá, o banto. Conquanto não fosse o português, pouco importaria que se tratasse de língua morta, extinta ou dialeto. Por força do colonialismo cultural, acentuado pela linguagem mercadológica dos veículos de comunicação, de muito bom-grado a opção brasileira recairia sobre o inglês – não o de Oxford, mas o da Praça Mauá.
"Coramos de pudor, criando situações embaraçosas para nós próprios, toda vez que não conseguimos atinar, de público, com o significado de uma expressão anglo-saxônica, e nos mortificamos de despeito por não conseguir recitar com sotaque nova-iorquino uma ode olímpica à alienação de Ipanema. Não por veneração reverenciamos o idioma de Shakespeare, mas por mera subserviência ao sentimento mercantil do multinacionalismo linguístico." (A Língua Envergonhada. 3a Ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1991, p. 15).
E essa situação de vergonha e descaso pela língua portuguesa demonstrados por muitos dos que a usam não é tão recente, conforme alguns poderiam imaginar. De tanto a ultrajarem, a aviltarem, a envilecerem pelo uso desleixado e vergonhoso, os intelectuais de Portugal reagiram e passaram a patrulhar e censurar os maus usuários dessa língua outrora enobrecida por Antônio Vieira, Eça de Queiroz, Machado de Assis e outros grandes autores. E foram tão severas as recriminações dos intelectuais portugueses, que o romancista carioca Lima Barreto, em um de seus quatro grandes romances, o Triste Fim de Policarpo Quaresma, publicado em 1915, levou seu personagem principal a redigir o seguinte e irônico requerimento:
"Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma – usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o Tupi-Guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro. Cônscio de que a Câmara e o Senado pesarão o seu alcance e utilidade, pede e aguarda deferimento. "
Quando o jornalista Giovanni Ricciardi foi ao apartamento do escritor Miguel Jorge a fim de entrevistá-lo para o livro Auto-retratos (que reúne 23 entrevistas com escritores brasileiros contemporâneos, e foi publicado pela Editora Martins Fontes em 1991), viu este lembrete na parede da sala de trabalho de Miguel Jorge:

Refazer, refazer sempre.
Refazer, custe o que custar.
Refazer cada página, parágrafo, frase, palavra...

Apesar de o lembrete parecer um tanto ingênuo, não podemos ignorar que este é um dos segredos praticados por todos os grandes escritores. Eles escreveram muito para eles mesmos, antes de escrever para os outros.
Todos os livros sobre arte de escrever aconselham a não nos contentarmos com a primeira redação de um texto. Devemos aperfeiçoar esse texto, reescrever suas frases, corrigir, corrigir, até que pareça impossível fazer melhor.
O romancista francês Gustave Flaubert costumava reescrever cinco ou até seis vezes uma única página ou um único parágrafo de suas obras em uma semana. Escrevendo numa época em que era comum os escritores publicarem de 20 a 50 livros (Balzac, por exemplo, só para o famoso conjunto de romances intitulado A Comédia Humana, escreveu 89 obras), Flaubert só escreveu seis. Mas são seis obras-primas. Seu romance Madame Bovary é considerado, no aspecto técnico e estilístico, uma obra de arte tão perfeita como uma sinfonia de Beethoven, a pintura da Capela Sistina realizada por Michelangelo, ou o quadro da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci.
Na arte de escrever, há muito mais transpiração que inspiração. Porém entre nós, escritores evangélicos, essa proporção de inspiração e transpiração não é exatamente aquela referida pelo inventor norte-americano Thomas Alva Edson, de 90% de transpiração e 10% de inspiração. O escritor evangélico é um canal sensível à inspiração que nos é dada por Deus, mas ninguém deve ficar estática e ingenuamente aguardando que a inspiração desça do Céu.
Sentindo-se inspirado ou não, o escritor terá de se sentar todos os dias diante de sua mesa de trabalho, mesmo que seja para escrever uma única frase aproveitável. É do hábito de sentar-se todos os dias diante de uma folha de papel em branco ou de um teclado de computador, que o nasce livro. Portanto, a obra de arte literária nasce do trabalho artesanal, perseverante do escritor.
Nunca será demais reafirmar que os maiores escritores brasileiros e estrangeiros foram incansáveis aperfeiçoadores do seu estilo, do seu texto. Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta da moderna poesia brasileira, alcançou a riqueza expressiva e a perfeição que o destacaram dentre os demais poetas de sua geração, graças ao fato de ter sido um incansável "domador" de palavras. Em um de seus poemas, O Lutador, ele confessa o quanto lhe era difícil trabalhar com elas:

Lutar com palavras
É a luta mais vã.
Entanto lutamos
Mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
Como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
O poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
Apareço e tento
Apanhar algumas
Para meu sustento
Num dia de vida.
............................

Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhe-eis escravo
De rara humildade.
Guardarei sigilo
De nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
De zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
Perpassam levíssimas
E viram-me o rosto.
Lutar com palavras
Parece sem fruto.
Não têm carne e sangue.
Entretanto, luto.


O escritor português Antônio Lopes Vieira adverte que “há uma dignidade de sintaxe, assim como há uma educação de maneiras; cometer certos erros gramaticais pode ser o mesmo que cuspir no chão.” A arte de escrever tem regras que não devemos infringir se não quisermos passar por mal educados.
No seu famoso Discurso sobre o Estilo, o Conde de Buffon, escritor francês, afirmou que “somente as obras bem escritas passam à posteridade, visto que as novas descobertas e os fatos novos fazem com que os livros mais científicos se tornem obsoletos, ultrapassados.”
O que permanecerá interessante nesses livros será o estilo, a beleza, a arte, a originalidade com que suas páginas foram escritas. Portanto, um livro, antes de ser publicado, tem de ser revisado, polido, aperfeiçoado, com paciência e cuidado, durante meses, ou até durante anos. É o que têm feito os grandes escritores, tanto seculares quanto evangélicos. Tenho dito.

Acadêmico Jefferson Magno Costa
(Discurso pronunciado na Academia Evangélica de Letras do Brasil, em 08 de Agosto de 2016)

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