sexta-feira, 24 de setembro de 2021

DEVEMOS TEMER MAIS A LÍNGUA DO BAJULADOR DO QUE AS MÃOS DO PERSEGUIDOR


PR. JEFFERSON MAGNO COSTA


      Aurélio Agostinho (Numídia, Argélia,354-430,Hipona, Argélia), autor cristão extraordinário em todos os assuntos, utilizando doutrina tirada da escola do rei Davi, ensina que há dois tipos de inimigos: uns que perseguem, outros que bajulam. Agostinho disse que devemos temer mais a língua do bajulador que a mão do perseguidor.
     A mão do perseguidor arma-se com a espada, com a lança, com a seta, com o veneno, e com todos os demais instrumentos de ferir e matar. Porém, temos que temer muito mais a língua aparentemente desarmada do bajulador, pois é muito mais perigosa que todas essas armas do perseguidor juntas.

     







 Alguns autores comparam o bajulador ao camaleão, que não tendo cor própria nem definida, reveste-se e pinta-se de todas as cores, quaisquer que sejam as do objeto vizinho. Outros o comparam à sombra, que não tem outro movimento que não seja imitar o corpo interposto à luz, do qual nunca se separa, e sempre e para qualquer parte o segue.
     Outros comparam o bajulador ao espelho, retrato natural e recíproco de quem nele se vê. Por que se tu o olhares, ele olhará para ti. Se tu rires, ele rirá. Se chorares, ele chorará. Porém, serão lágrimas sem dor e riso sem alegria. Todavia, como o camaleão, a sombra e o espelho são imitadores mudos, a comparação que Agostinho fez do bajulador é a mais adequada e melhor de todas. Ele o comparou ao eco.
    






 O eco sempre repete o que diz a voz, e não sabe dizer outra coisa. Onde as concavidades são muitas, é cena verdadeiramente divertida ver como os ecos vão se respondendo sucessivamente uns aos outros, e todos sem variação, dizendo a mesma coisa. É assim que agem os bajuladores. O que disse a primeira voz, é o que todos repetem uniformemente.
     Se o rei disser que quer iniciar uma guerra, mesmo que essa guerra seja de consequências perigosas, o que os ecos respondem? Guerra! guerra! guerra! Mas se o rei disser que quer declarar paz, mesmo que a ocasião seja desaconselhável e as condições impostas pelo inimigo sejam indecorosas, o que os ecos respondem? Paz! paz! paz! Se o rei disser que quer enriquecer os cofres públicos, mas para isso terá de aumentar consideravelmente os impostos, ainda que seus pretextos tenham mais de egoísmo e vaidade que de utilidade, o que os ecos respondem? Impostos! impostos! impostos! Da mesma forma agem os bajuladores.
     Sêneca dizia que preferia muito mais ofender o rei com a verdade, do que agradá-lo com a bajulação. Mas quem era Sêneca? Um grande filósofo estóico. Ele ensinava que a pessoa que possuía a maior riqueza era aquela que sabia viver sem depender de nenhuma. E ele mesmo praticou isso, pois sendo um homem riquíssimo, renunciou a todas as suas riquezas e entregou-as ao Estado romano. Ora, um homem que foi capaz de aumentar os tesouros do rei com a doação dos seus bens, tinha coragem e autoridade suficientes para correr o risco de ofender o rei com a verdade do que agradá-lo com a adulação.
     Porém, aqueles que querem remediar a sua pobreza, melhorar a sua casa ou alimentar a sua vaidade com os tesouros do rei, que podemos esperar deles? Que digam cinquenta adulações para conseguir um cargo, e que não se atrevam a dizer meia verdade, para não perdê-lo.
   





 

 Diógenes, outro grande filósofo da antiguidade, que jamais concordou em adular os reis em troca de riquezas ou cargos, era tão pobre que não tinha sequer uma choupana para morar, e vivia dentro de um barril. O imperador Alexandre o Grande ouviu falar de Diógenes e quis conhecê-lo. Encontrou-o em uma planície perto de um bosque, com o semblante sereno e feliz, calmamente sentado dentro do seu barril, apreciando a natureza enquanto meditava.
    







Alexandre o Grande ficou impressionado ao ver um homem tão desprendido dos bens materiais, exatamente o oposto dele e de todos os bajuladores que o cercavam. Como era o rei mais poderoso do mundo naquela época, Alexandre disse a Diógenes que lhe pedisse o que quisesse. Diógenes respondeu: “Peço-te que não me tires o que não me podes dar.” Diógenes disse isto porque era Inverno, e Alexandre, ao parar diante do filósofo, estava impedindo, com a sombra do seu corpo, que Diógenes continuasse tomando o seu banho de sol. Alexandre virou-se para os ministros e generais que o acompanhavam e comentou: “Se eu não fosse Alexandre, o único homem que eu gostaria de ser nesse mundo era Diógenes.”
     Durante todo o tempo em que o rei Dionísio dominou a Sicília, não conseguiu subornar o grande filósofo Diógenes para fazê-lo parar de dizer-lhe algumas verdades. Diógenes, que era admirado por todos por sua coragem, sinceridade, e porque jamais aceitara vender sua consciência, estava certa vez lavando algumas ervas para comer, quando um dos bajuladores do rei aproximou-se e disse-lhe: “Se tu adulasses ao rei Dionísio não comerias ervas.” Imediatamente, Diógenes respondeu: “E se tu te contentasses em comer ervas, não precisarias adular a Dionísio.”
     Perguntaram certa vez a Biantes, um dos sete Sábios da Grécia, qual era o animal mais venenoso do mundo, e ele respondeu: “Dos bravos o tirano, dos mansos o bajulador.” Ao chamar a adulação de veneno, Biantes acertou em cheio; porém, ao distinguir o tirano do adulador, Biantes não foi muito feliz, porque todo adulador é um tirano.
     O maior tirano que houve no tempo do nosso Salvador Jesus Cristo foi Herodes. Porém, os seus bajuladores ainda foram maiores tiranos que ele, porque o rei foi o tirano dos seus vassalos, e os bajuladores foram os tiranos do rei.
   








  O texto do profeta Miquéias que os bajuladores explicaram a Herodes sobre o nascimento do novo Rei, fala expressamente de dois nascimentos do Messias, um temporal, como homem, e outro eterno, como Deus. O temporal como homem: “...de ti me sairá o que será Senhor em Israel” (Mq 5.2a), e o eterno como Deus: “e cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq 5.2b).
     O que os escribas e os príncipes dos sacerdotes, os maiores bajuladores de Herodes, fizeram na tentativa de dar pistas sobre o nascimento do Messias àquele rei que se perturbara e deixara todos perturbados ao saber que um rei ameaçador do seu trono havia nascido? (Mt 2.3,4). Na tentativa de ajudar aquela raposa traiçoeira, os bajuladores citaram a passagem profética de Miquéias. Mas só citaram a primeira parte, que fala sobre a natureza humana de Jesus, silenciando totalmente sobre a segunda natureza, a divina: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as capitais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo de Israel.” (Mt 2.6).
   





  

 Tendo sido enganado por seus bajuladores, Herodes supôs que aquele que havia nascido em Belém era tão-somente homem e não Deus, e que podia matá-lo. E a consequência dele pensar assim foi o decreto da morte dos inocentes (Mt 2.16). Sendo um assunto tão grave, o mais grave que poderia haver naquela corte, pois envolvia a coroa e a salvação de Israel, aqueles enganadores citaram a profecia de Miquéias pela metade, com o intuito de, através de uma meia-mentira e uma bajulação, traquilizarem o coração amedrontado daquele tirano. Vejam em que pode resultar a bajulação! Muitas crianças inocentes foram mortas graças à atitude dissimulada e falsa de um bando de bajuladores.

     



 

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