quarta-feira, 15 de setembro de 2021

ESCREVA UM SONETO À PESSOA QUE VOCÊ AMA




Desde o seu aparecimento na Itália ou na França, no século 13, não se sabe até hoje qual deles (Petrarca, Gerard de Bonneuil, Giacomo da Lentini) teria inventado esta desafiadora forma de expressão poética chamada soneto, que vem sendo cultivada por grandes e pequenos poetas, e tem-se conservado no gosto e na preferência do público leitor, ao longo de quase 900 anos.

“Um soneto sem defeito vale por um longo poema”, disse o poeta francês Boileau, há quase 300 anos. E não é fácil compor um que seja considerado bom. Um excelente, então, é dificílimo.

O que ocorre com a maioria dos pretendentes a bons sonetistas é terem assunto demais para tão poucos versos, ou versos demais para pouco assunto.

O poeta Belmiro Braga, diante dessa dificuldade, perguntou em um soneto de que forma o grande sonetista Emílio de Meneses escrevia os seus:

Como os fazes, Emílio? Eu te prometo
um mimo como paga ao que pergunto,
pois, quando, às vezes, no arranhol me meto,
(tens sob os olhos as razões que ajunto),
ora o assunto transborda do soneto,
ora sobra soneto e falta assunto...

Menotti del Picchia faz parte do pequeno grupo de poetas que homenagearam essa forma poética de maneira magistral:

Soneto! Mal de ti falem perversos
que eu te amo e te ergo no ar como uma taça.
Canta, dentro de ti, a ave da graça
na gaiola dos teus quatorze versos.
Quantos sonhos de amor jazem imersos
em ti, que és dor, temor, glória e desgraça?
Foste a expressão sentimental da raça,
de um povo que viveu fazendo versos.
Teu lirismo é a nostálgica tristeza
dessa saudade atávica e fagueira
que no fundo da raça nos verteu
a primeira guitarra portuguesa
gemendo numa praia brasileira
naquela noite em que o Brasil nasceu...

Reconhecendo o desafio de se escrever um bom soneto, Júlio Dantas compôs magnificamente este:

Ó florentino túmulo de prata!
Ó sepultura de quatorze versos!
Demais viveu em ti aprisionada
A asa vibrátil do meu pensamento.
Demais sofri a dura disciplina
Do teu chicote de quatorze pontas,
Soneto arcaico, inquisidor vermelho,
Que Petrarca há seis séculos gerou.
Ó taça antiga de quatorze gomos!
– Taça de ouro de Guido Cavalcante,
Bebi em ti, mas atirei-te no mar.
Não se ouvem mais os címbalos da rima.
Asa liberta, voa em liberdade!
Jaula de bronze, estás aberta enfim!

Coube ao dramaturgo e poeta espanhol Lope de Vega a autoria do mais genial soneto sobre a dificuldade de se escrever um. Violante, a namorada do poeta, pedira-lhe um soneto. Eis como ele respondeu:

Um soneto pediu-me Violante.
(É só nessas encrencas que eu me meto).
Quatorze versos dizem que é soneto:
burlo um pouquinho, e vão-se os quatro. Adiante!
E eu pensei que jamais iria avante,
mas já estou terminando este quarteto.
Ah! Se eu pego o princípio de um terceto,
não haverá mais nada que me espante.
No primeiro terceto vou entrando
e suponho que entrei com o pé direito,
pois neste verso o fim já estou lhe dando.
E cheguei no segundo. Bem... suspeito
que estou os trezes versos terminando.
Contai se são quatorze, e... ei-lo feito!
Jefferson Magno Costa

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