Jefferson Magno Costa
(Reportagem realizada por mim em maio 1984 para o jornal MENSAGEIRO DA PAZ, e republicada neste blog como contribuição histórica ao Centenário das Assembleias de Deus no Brasil).
Sob os ventos alísios, às margens do rio Potengi e entre coqueiros que circundam a orla marítima, nasceu a cidade de Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte. A cidade que em 1930 seria o berço da primeira Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, e sede de uma poderosa igreja Assembleia de Deus, cresceu celebrando em seu nome e em sua história a festa magna do Cristianismo: o Natal do Menino Jesus.
Com suas muralhas constantemente beijadas pelas ondas do Oceano Atlântico, desde o ano de 1598 o forte dos Reis Magos – como uma grande estrela do mar – viu a Cidade de Natal crescer entre as grandes plantações de cajueiro (o maior cajueiro do mundo encontra-se na praia de Pirangi, arredores de Natal), avançar sobre as dunas de areia finíssima, e estender-se pelas margens do Rio Potengi – o rio em cujas águas Adriano Nobre batizou, em 1918, os primeiros novos convertidos ao Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, naquela região.
O grande historiador, etnólogo e folclorista norte-riograndense Luis da Câmara Cascudo escreveu que “a cidade do Natal é uma perspectiva indefinida. Sentimos que, tendo vida, está na fase de um crescimento progressivo, diário...” Este crescimento vem sendo observado na igreja Assembleia de Deus norte-riograndense.
A Primeira Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil foi realizada na Capital do Estado do Rio Grande do Norte, e caracterizou-se pela ocorrência de dois grandes fatos de extrema importância na história das Assembleias de Deus brasileiras: a transferência da responsabilidade da Obra desenvolvida pelos missionários suecos no Norte e Nordeste do Brasil para Obreiros nacionais, e a extinção dos jornais Boa Semente e Som Alegre, que foram substituídos pelo Órgão Oficial das Assembleias de Deus no Brasil: o MENSAGEIRO DA PAZ.
Após 20 anos de trabalho e lutas em meio a enormes regiões de difícil acesso, após percorrerem grandes distâncias, contraírem doenças, enfrentarem animais ferozes, desbravarem selvas, alcançarem povoados longínquos, sofrerem humilhações, ingratidões e até apedrejamentos, os missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren concluíram que era chegada a hora de passarem às mãos de seus filhos na fé – os Obreiros nacionais – a Obra iniciada no Norte e Nordeste brasileiros, e se mudarem para o Sul e Sudeste do país, a fim de ali abrirem novas frentes de trabalho.
No ano em que Daniel Berg e Gunnar Vingren chegaram ao Brasil – 1910 – a varíola cobria Natal de luto. Em seguida veio a epidemia de malária. Em 1930, ano da Primeira Convenção Geral, 40% da população de Natal sofria de febres e impaludismo. (O pastor Levi Pethrus, que veio da Europa especialmente para participar da Primeira Convenção, ficou hospedado em um bairro de Natal onde havia cerca de 1.500 vítimas da malária.)
Zelosos pela Obra do Senhor, e confiantes em sua proteção, os homens de Deus vieram do Exterior e de vários pontos do Brasil, atendendo a convocação para participarem de uma das mais importantes convenções da História das Assembleias de Deus neste país. E nenhum mal atingiu qualquer um deles!
Além do pastor Lews Pethrus, chegaram a Natal os missionários Gunnar Vingren, Daniel Berg, Otto Nelson, Joel Carlson, Nels Nelson, Samuel Nystrom e mais 16 pastores nacionais, que foram hospedados e ficaram sob a liderança do pastor Francisco Gonzaga da Silva.
E assim, na cidade que cresceu diante do mar, onde jangadas de velas brancas riscam as ondas, partindo para a pesca; no bairro do Alecrim, “com suas ruas retangulares, sua extensão em claridade, sua possibilidade de desdobração” (no dizer de Luís da Câmara Cascudo), as Assembleias de Deus no Estado do Rio Grande do Norte delinearam-se inconfundivelmente, impulsionadas pelo poder do Espírito Santo e conduzidas por mãos marcadas pelo trabalho, joelhos calejados na oração e corações sofridos, mas cheios de fé - as mãos, os joelhos e os corações dos pioneiros na colocação dos marcos da igreja que cresce no Estado Norte-riograndense e em todo o Brasil sob o poder de Deus.
JOVENS CONDUZINDO TOCHAS ACESAS
A mocidade da Assembleia de Deus em Natal tem-se organizado no desempenho de atividades evangelísticas, e vem realizando um trabalho de longo alcance em diversos setores de sua área de ação. Os jovens do templo-sede foram divididos em 20 grupos (cada grupo é composto de dez rapazes e moças), e passaram a cooperar nas congregações mais carentes, ajudando os irmãos na distribuição de literatura, e no evangelismo pessoal de casa em casa.
O líder da mocidade da Assembleia de Deus em Natal, pastor Elinaldo Renovato de Lima – que é também diretor da ESTEADEB, RN (Escola Teológica das Assembleias de Deus no Brasil) -, seguindo a orientação de Deus, direcionou o trabalho de evangelismo da mocidade para o setor estudantil, e hoje 38 colégios já foram alcançados pela Palavra de Deus.
Após estabelecer-se um contato com a direção do colégio, consegue-se uma sala ou um auditório, e ali é realizado um culto, onde a Palavra de Deus é pregada, são entoados alguns hinos e efetuada a distribuição de folhetos. Em seguida faz-se o apelo. Muitos jovens têm aceitado Jesus Cristo como seu Salvador.
Falando acerca das atividades desenvolvidas pelos jovens da AD em Natal, o pastor João Batista da Silva declarou que “Deus tem despertado a mocidade desta igreja para a obra de evangelização. Algum tempo atrás, o diretor do hospital Walfredo Gurgel – o mais concorrido dos hospitais de Natal – nos convidou a realizar cultos em um salão que antes estava sendo usado para a celebração de missa. Devido a falta de assiduidade do padre, o diretor do hospital concluiu que os pacientes não poderiam continuar sem assistência religiosa, e, através do irmão Lázaro, que é médico e membro desta igreja, viemos a saber que o salão nos fora franqueado. A mocidade passou então a realizar cultos ali. Hoje, já temos uns 60 crentes, e o Senhor já batizou um deles com o Espírito Santo”.
Todos os domingos, das 14 às 17 horas, enquanto 17 grupos de jovens evangelizam, os três restantes reúnem-se no templo-sede, cumprindo uma espécie de revezamento dominical. Essas reuniões, sob a liderança do pastor Elinaldo Renovato de Lima, vêm sendo realizadas há quase dez anos.
No decorrer das reuniões, os jovens ouvem mensagens, dão testemunhos, participam de estudos da Palavra de Deus, recebem orientação acerca de inúmeros problemas que afetam a mocidade evangélica, e dão um relatório das atividades desenvolvidas nas áreas de evangelização. São mais de 200 jovens empenhados em difundir a Palavra de Deus. Jovens que conduzem em seus lábios, em suas mãos e em seus corações, as tochas acesas do amor, da fé e do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.
A igreja Assembleia de Deus em Natal possui, em seu corpo de membros, um considerável número de irmãos detentores de diplomas de curso superior. Entre os 1800 membros que cultuam a Deus no templo-sede, há cerca de 15 professores universitários, dezenas de professores secundários, alguns arquitetos, engenheiros (a planta e os aspectos arquitetônicos do novo templo estão aos cuidados desses irmãos), advogados, médicos e dezenas de militares, entre eles, vários oficiais.
Trabalhando nos hospitais de Natal, existem oito médicos, membros da Assembléia de Deus, que aliam o exercício profissional ao poder confortador e transformador da Palavra de Deus, evangelizando os doentes e seus colegas de profissão.
A CIDADE QUE EMERGIU DAS TREVAS PARA A LUZ
Em Natal, quatro anos após a chegada de algumas famílias de evangélicos vindas de Belém, realizou-se o primeiro culto público dirigido por pentecostais, na humilde Rua do Arame, em 24 de maio de 1918. Naquela noite a cidade de Natal emergia das trevas para a luz. Era a grande vitória alcançada pelos irmãos que até então se reuniam no interior de suas casas. Adriano Nobre os liderava.
A partir daquela data, aqueles irmãos iniciaram um trabalho que conta hoje com cerca de 35.000 membros em todo o Estado (o equivalente à população de Natal em 1930, quando foi realizada a primeira convenção), 41 igrejas na capital e 170 no interior, onde são realizados 400 cultos públicos semanais e 200 reuniões de oração, dispondo de um ministério composto de 23 pastores, 46 evangelista e 174 presbíteros, diáconos e auxiliares.
Após o ano de 1918, os semeadores saíram a semear a Palavra de Deus, e o Evangelho foi conquistando os arrabaldes pobres, as ruas que já se estendiam em todos os sentidos, alcançando os bairros distantes, galgando as dunas, avançando sempre. Enfrentando as dificuldades, os semeadores da Palavras de Deus cumpriam o mandamento bíblico de levar o Pão divino a quem tinha fome, e dar de beber da Água da Vida a quem tinha sede.
Tempos depois o irmão José Morais alugou uma casa na Rua América, passando a funcionar ali a sede da AD em Natal. Em seguida José Morais foi substituído por Josino Galvão, e este por Manoel Higino, que por sua vez foi substituído pelo missionário Bruno Skolimowski. Este último edificou o primeiro templo da AD em Natal, na Rua Amaro Barreto, 40.
Em 1930, sob a direção do pastor Francisco Gonzaga da Silva, a Igreja Assembleia de Deus em Natal hospedou a Primeira Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil.
O crescimento da Obra levou o pastor Gonzaga a iniciar a construção de um novo templo, cujas dimensões demandavam recursos aparentemente impossíveis de ser conseguidos pela igreja daquela época, mas Deus havia colocado no coração dos irmãos uma fé que desconhecia limites. Com os corações voltados para o Rei do Universo, os irmãos venceram as dificuldades, e finalmente, no dia 24 de janeiro de 1937 foi inaugurado, na Rua Manoel Miranda, 1425, Alecrim, o templo-sede da Assembleia de Deus em Natal.
Sucedendo o pastor Francisco Gonzaga da Silva, o pastor Clímaco Bueno Aza assumiu temporariamente a direção da AD em Natal. Depois dele, Manoel Rodrigues de Menezes, Eugênio Pires e João Batista da Silva foram os pastores designados por Deus para levarem avante um trabalho que suplantou as dunas constantemente tangidas pelo vento, e, superior ao vôo das garças que se reunem em bandos nas margens do Rio Potengi, atingiu aos 151 Municípios do Estado do Rio Grande do Norte.
O pastor João Batista da Silva (que está para completar 51 anos no exercício de cargos ministeriais na Obra de Deus), falando ao MENSAGEIRO DA PAZ, definiu a prioridade que tem norteado o trabalho da Assembleia de Deus no Estado do Rio Grande do Norte: a evangelização.
“Quando eu aqui cheguei, orei a Deus pedindo-lhe que me revelasse o que de mais importante eu poderia fazer neste campo de trabalho. E o Senhor disse: evangeliza o Estado. Naquele tempo a Assembleia de Deus em Natal não tinha ainda iniciado trabalho na maioria dos municípios do Estado, e os Obreiros eram muito poucos. Hoje, pela graça de Deus, temos trabalho em todos os 151 municípios. É certo que não temos ainda um Obreiro em cada município, pois há irmãos que trabalham em dois ou três municípios.”
Hoje, cerca de mil novos componentes da grande família de Deus são batizados por ano. Ano passado, 500 irmãos foram batizados com o Espírito Santo. Nos 41 templos da igreja Assembleia de Deus em Natal, há oito mil alunos matriculados na Escola Dominical, que recebem o ensino da Palavra de Deus ministrado por 503 professores. Os trabalhos contam também com a participação de duas bandas de música, 20 corais e cerca de 200 conjuntos musicais.
Movidas por um grande propósito espiritual, por uma incansável dedicação em buscar a face do Senhor, as irmãs do Círculo de Oração de Natal unem suas vozes conjuntamente com as irmãs dos Estados vizinhos, e, com perseverança e fé, elevam suas súplicas ao Senhor. O trabalho que surgiu na cidade das 28 pontes, “a Veneza Brasileira” – Recife – irradiou-se por todo o Nordeste, e tem alcançado todo o Brasil.
A irmã Maria Anita Batista da Silva, esposa do pastor João Batista da Silva, é a dirigente geral dos Círculos de Oração da AD em Natal. À frente de um desses trabalhos encontra-se a irmã Maria de Lourdes Costa, muita conhecida como "irmã Maria Pedro", de 84 anos, a dirigente mais idosa entre as dirigentes dos Círculos de Oração das ADs no Brasil (e minha avó paterna).
As Assembléias de Deus no Brasil surgiram como um milagre da fé, e só a fé explica seu atual crescimento. Acerca deste fenômeno, assim se expressou o pastor João Batista da Silva: “Estamos vendo hoje a operação direta de Deus sobre sua Igreja. Nós oramos, buscamos constantemente ao Senhor, não nos entregamos a lamentações nem falamos mal do governo, e essa atitude tem sido agradável ao coração de Deus. Por isso Ele nos tem abençoado.”
Dentro do forte do Reis Magos, no interior de suas muralhas erguidas diante do inconfundível azul dos mares nordestinos, no meio da praça nobre das armas, há um poço que surgiu dentro dos arrecifes. Quando os holandeses chegaram ali, ficaram admirados diante daquele fenômeno curioso: água doce no meio de água salgada.
Assim é o povo das Assembleias de Deus em Natal, no Nordeste e no Brasil: água doce em meio a água salgada – água brotada dentre as rochas da incredulidade, e purificada pela doçura da Palavra de Deus.
Jefferson Magno Costa
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