Jefferson Magno Costa
Na história da exegese bíblica (explicação ou interpretação minuciosa e esclarecedora de uma palavra, de um versículo ou de um longo trecho da Bíblia), há um versículo, entre milhares de versículos estudados pela exegese, que esconde uma sutil diferença de siginificado entre a forma como ele foi traduzido e é entendido nos dias atuais, e o siginificado teologicamente mais profundo que ele esconde desde o dia em que foi escrito.
É o versículo 9 do capítulo 8 da Segunda Carta de Paulo aos Coríntios: “Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que sendo rico, por amor de vós se fez pobre; para que pela sua pobreza enriquecêsseis”.
A curiosa diferença exegética recai sobre a expressão se fez pobre. Quem chamou pela primeira vez a atenção dos estudiosos da Bíblia para o siginificado mais profundo que a apóstolo Paulo quis dar a essa expressão, foram os dois maiores pregadores e intérpretes bíblicos da língua grega, mundialmente respeitados e aclamados como doutores nas ciências bíblicas, João Crisóstomo (349-407) e Gregório Nazianzeno (329-389).
Eles afirmaram que o mais entranhado e profundo significado da expressão que em português foi traduzida como se fez pobre, é mendigou.
Esses dois pregadores das Sagradas Escrituras, que conheciam profundamente a língua materna deles, o grego, e a grande riqueza do contexto bíblico neotestamentário no qual o apóstolo Paulo tinha vivido, e sob cuja influência escreveu as suas cartas, esclareceram que afirmar teologicamente que Jesus mendigou não é o mesmo que dizer que Ele pediu esmolas para ter com que se manter. Se bem que, se de fato pedir esmolas fosse uma das condições estabelecidas por Deus para nossa redenção, Jesus o teria feito tranquilamente.
O fato é que Jesus jamais mendigou no sentido em que todos nós entendemos o que é mendigar, pois os evangelhos deixam bem claro que o nosso Salvador, até a idade de 30 anos, viveu da profissão que aprendera com José, a de carpinteiro, conseguindo o seu sustento com o trabalho de suas mãos.
E quando iniciou seu ministério de pregação, passou a receber ajuda financeira de várias pessoas, especialmente das mulheres. Elas sustentavam o ministério do Senhor Jesus, conforme registra o evangelista Lucas (Lc 1.26-30). Portanto, Jesus não precisou mendigar, conforme o significado comum dessa palavra.
Ora, se Jesus não necessitou pedir esmolas para se sustentar, o que Ele teria mendigado? Eis aí um altíssimo mistério relacionado à nossa salvação. E foram esses mesmos dois maiores luminares da teologia grega, Gregório Nazianzeno e João Crisóstomo, que nos deram a melhor resposta e esclarecimento sobre a questão. Por serem gregos, puderam penetrar a força e a riqueza de significado do texto escrito em sua própria língua. A explicação que esses dois intérpretes da Bíblia apresentaram pode ser resumida da seguinte forma:
O Filho de Deus não só se fez pobre para nos tornar ricos, mas humilhou-se a ponto de mendigar. Mendigar o quê? Mendigar nossa carne e nosso sangue.
Antes de tornar-se um de nós, Jesus era Espírito. Para nos resgatar, era necessário que Ele sofresse na carne as consequências dos pecados que nós havíamos cometido na carne. Nosso resgate exigia preço de sangue. Jesus não tinha sangue. Portanto, por não ter carne e por não ter sangue, Ele mendigou, pediu emprestado à nossa natureza a carne e o sangue que não tinha, para nos resgatar na cruz do Calvário e nos enriquecer com Suas infinitas riquezas divinas e celestiais que não tínhamos.
Devido ao pecado de Adão, a humanidade estava prisioneira do pecado e pobre. Como cativa, gemia no cativeiro; como pobre, não tinha recursos para pagar seu próprio resgate. E qual seria o preço desse resgate? O sangue do Unigênito Filho de Deus, conforme estabelecera a Justiça Divina. E é aqui que entra o termo mendigar.
Não dispondo, nem podendo dispor, enquanto Deus, do valor decretado para realizar nosso resgate, Jesus mendigou (pediu, pegou emprestado) à natureza humana, a carne e o sangue, que uniu à sua Pessoa divina.
Com isto, conforme comentou altissimamente o apóstolo Paulo, nós, que éramos cativos e pobres, com a pobreza e mendicância de Jesus, tornamo-nos livres e ricos. Jesus, mendigando como pobre, obteve o necessário para realizar a nossa redenção. Com o que adquiriu de sua mendicância, nos remiu.
Portanto, na obra de Redenção da humanidade, que foi a maior demonstração do amor divino (João 3.16), Deus não se contentou só em dar o que tinha, mas também mendigou o que não tinha, para também os dar. Deu a Sua Pessoa divina, que era o que tinha, e mendigou nossa carne e nosso sangue, que era o que não tinha, para os apresentar ao Pai como preço de nossa Redenção.
Ninguém é mais rico que o nosso Deus: "Porque a terra é do Senhor e toda a sua plenitude", 1Coríntios 10.26. Tudo lhe pertence, porque tudo foi criado por Ele: "Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez", João 1.3.
No entanto, em Jesus, na essência de sua natureza espiritual e divina, a carne e o sangue não faziam parte. São dois elementos da natureza humana. Por isso, o Filho de Deus desceu até a sua criaturinha, e pediu emprestado (no grego, "mendigou", segundo Gregório e Crisóstomo) nossa carne e nosso sangue, e vestido da natureza humana, remiu essa natureza decaída e apresentou-a outra vez ao Pai, dando condições de os que O reconhecerem como Salvador e aceitarem o Seu sacrifício na cruz do Calvário, habitarem eternamente com Ele no Céu. Jefferson Magno Costa
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