ESCREVA UM SONETO À
PESSOA QUE VOCÊ AMA
PR. JEFFERSON MAGNO
COSTA
Desde o seu
aparecimento na Itália ou na França, no século 13, não se sabe até hoje qual
deles (Petrarca, Gerard de Bonneuil, Giacomo de Lentini) teria inventado esta
desafiadora forma de expressão poética chamada soneto, que vem sendo
cultivada por grandes e pequenos poetas, e tem-se conservado no gosto e na
preferência do público leitor, ao longo de quase 900 anos.
“Um soneto sem
defeito vale por um longo poema”, disse o poeta francês Boileau, há quase 300
anos. E não é fácil compor um que seja considerado bom. Um excelente, então, é
dificílimo. O que ocorre com a maioria
dos pretendentes a bons sonetistas é terem assunto demais para tão poucos
versos, ou versos demais para pouco assunto.
O poeta Belmiro
Braga, diante dessa dificuldade, perguntou em um soneto de que forma o grande
sonetista Emílio de Meneses escrevia os seus:
Como os fazes, Emílio? Eu te prometo
um mimo como paga ao que pergunto,
pois, quando, às vezes, no arranhol me meto,
(tens sob os olhos as razões que ajunto),
ora o assunto transborda do soneto,
ora sobra soneto e falta assunto...
Menotti del
Picchia faz parte do pequeno grupo de poetas que homenagearam essa forma
poética de maneira magistral:
Soneto! Mal de ti falem perversos
que eu te amo e te ergo no ar como uma taça.
Canta, dentro de ti, a ave da graça
na gaiola dos teus quatorze versos.
Quantos sonhos de amor jazem imersos
em ti, que és dor, temor, glória e desgraça?
Foste a expressão sentimental da raça,
de um povo que viveu fazendo versos.
Teu lirismo é a nostálgica tristeza
dessa saudade atávica e fagueira
que no fundo da raça nos verteu
a primeira guitarra portuguesa
gemendo numa praia brasileira
naquela noite em que o Brasil nasceu...
Reconhecendo o
desafio de se escrever um bom soneto, Júlio Dantas compôs magnificamente este:
Ó florentino túmulo de prata!
Ó sepultura de quatorze versos!
Demais viveu em ti aprisionada
A asa vibrátil do meu pensamento.
Demais sofri a dura disciplina
Do teu chicote de quatorze pontas,
Soneto arcaico, inquisidor vermelho,
Que Petrarca há seis séculos gerou.
Ó taça antiga de quatorze gomos!
– Taça de ouro de Guido Cavalcante,
Bebi em ti, mas atirei-te no mar.
Não se ouvem mais os címbalos da rima.
Asa liberta, voa em liberdade!
Jaula de bronze, estás aberta enfim!
Coube ao genial e
ultra-prolífico dramaturgo e poeta espanhol Lope de Vega (deixou centenas de
poesias, e mais de 2800 peças escritas; foi comparado a Shakespeare; Cervantes
o chamava de "o monstro da Natureza") a autoria do mais genial soneto
sobre a dificuldade de se escrever um. Violante, a namorada do poeta, pedira-lhe
que Lope lhe escrevesse um soneto de amor.
Eis como o genial
poeta, escondendo-se atrás de uma finíssima ironia e fingindo-se incapaz de
escrever o soneto, conseguiu a fenomenal proeza de atender ao pedido da
namorada, sem, no entanto, fazer-lhe nenhuma declaração de amor:
Um soneto pediu-me Violante.
(É só nessas encrencas que eu me meto).
Quatorze versos dizem que é soneto:
burlo um pouquinho, e vão-se os quatro. Adiante!
E eu pensei que jamais iria avante,
mas já estou terminando este quarteto.
Ah! Se eu pego o princípio de um terceto,
não haverá mais nada que me espante.
No primeiro terceto vou entrando,
e suponho que entrei com o pé direito,
pois neste verso o fim já estou lhe dando.
E cheguei no segundo. Bem... suspeito
que estou os trezes versos terminando.
Contai se são quatorze, e... ei-lo feito!
UMA VEZ OU OUTRA O POETA QUE HÁ EM MIM SE MANIFESTA
Quando escrevi
meu primeiro poema, eu tinha 17 anos. Hoje tenho 61. Mas a chama poética que
desde aqueles maravilhosos anos de juventude ardia dentro de mim, não se
apagou. Tenho direcionado-a, como um fogo brando, para a prosa, para os textos
que escrevo hoje.
Mas isso não me impede de publicar neste artigo meus “pecados
poéticos”, os poemas que escrevi, alguns de temas bíblicos, alguns de temas
românticos-líricos (para minhas namoradas, mocinhas da Assembleia de Deus em
Natal). Eis os que consegui salvar das perdas que sempre ocorrem em nossas
mudanças de endereço, e da voracidade do tempo:
JEFFERSON MAGNO COSTA
Asas insones
ferem a noite: pranto.
Mortos
embalados ao som de pés cativos em marcha,
faces
voltadas para o deserto: Israel
– caminho de
quarenta anos para Me adorar!
Ao sol Minha
mão estendida em nuvem:
reflorir de
sorrisos na suavidade dos meninos.
Noite sempre
os Meus olhos em coluna de fogo:
noturno sol
na avermelhada face das donzelas e dos anciões.
Das minhas
sandálias ao encalço o perseguidor:
Minha ira a
descavalgar cavaleiros e o
sepultamento
de um cetro no mar.
Ao longo das
areias os conquistadores de Canaã.
Ao vento um
nome esculpido em cinzas: Faraó
que
(asseguro) jamais terá parte no Meu Reino do Amanhã.
Rio
de Janeiro, outubro de 1980
VOZ NA TEMPESTADE
JEFFERSON MAGNO COSTA
No seio violentado
das ondas
A tempestade
rasgada.
Suave dorme
Jesus.
Barco cingido pela fúria
De águas, vento e raios.
Paz quebrada
No coração dos homens,
Terror nos rostos.
Vozes desconcertadas
Alteiam e se confundem,
Despertando o Mestre
— Perecemos!
Olhos plácidos
A fitar o desespero.
Mãos estendidas
Sobre a face do abismo.
Voz suave e sublime
Ordenando.
Silenciam os ventos.
Acalma-se o mar.
Fé contagiante
A envolver novamente
Corações maravilhados!
Natal, janeiro de 1976
POEMA LIDO NOS MEUS
OLHOS
JEFFERSON MAGNO COSTA
Outros antes de mim
empunhem armas e lutem,
arem a terra,
governem povos,
busquem a imortalidade
na página, na pedra,
na carne, na tela,
no vento.
Quanto a mim
tentarei despertar nos homens
o pensar na vida eterna,
o desejar conhecê-la e possuí-la,
estabelecer a necessária conversação
entre eles e Deus.
Ao sol, sob os ventos, semeando nos corações,
pelo Caminho Eterno irei,
questionando o amor, a morte e a vida
irei, rumo ao país da Perpétua Aurora.
E isto é tudo.
Rio de Janeiro, agosto de 1983.
MARIA, UMA MULHER
JEFFERSON MAGNO COSTA
Teu nome rescende a alabastro,
Unguento, longos cabelos,
Olhos, lágrimas, mãos.
Cálida sombra sobre o Calvário adormecido,
Leve alvorecer na
madrugada do túmulo vazio,
a anunciar o ressurgir
daquele que rabiscou mistérios
nas longínquas areias da Galileia!
Rio de Janeiro, março de 1981
ACONTECIMENTO DO AMOR
JEFFERSON MAGNO COSTA
És para mim
como um amanhecer
sobre antigas campinas
coroadas de rebanhos e pastores,
um inteiro dia,
um renovado acontecer,
pleno de novidades.
És para mim
como um amanhecer,
e tua presença como um rio
a fluir a realidade de teu corpo
sobre minha sede de querer-te sem limites.
Estar contigo
é simplesmente
estar contigo.
É nada dizer.
É não querer
ser mais nada.
É estar mudo
e amar-te
na linguagem em que
o primeiro homem
amou
a primeira mulher.
Rio de Janeiro, maio de 1983
AMOR EM AUSÊNCIA
JEFFERSON MAGNO COSTA
A noite hoje fez-se eterna
em tua face de lírio,
e o inconfessado amor em teus olhos
foi todo entrega e promessas.
Te quedarás esta noite
prisioneira e submissa,
minha finalmente ou talvez...
Mas nos teus pés reverdecem
os sempre motivos de fuga,
brotar de instantes
sem peso,
florir estéril em meu peito,
o gosto amargo sem frutos.
Sonhar contigo esta noite
é me sentir todo relva
de um prado úmido e noturno,
onde o renascer da aurora
semeia ventos,
colhe nada,
sob um vazio
amplo
céu de ausências.
Rio de Janeiro, dezembro de 1984
EU TE ESPEREI
LONGAMENTE
JEFFERSON MAGNO COSTA
Pelos caminhos da minha vida
esperava sempre que tu surgisses.
Nas manhãs, o voo de aves no límpido céu
traçava ante os meus olhos
a plenitude e a esperança.
Porém, ao entardecer
meus pés pisavam veredas de solidão,
e entre ausências e lírios
e crepúsculo e mar e relva
esperava sempre que tu surgisses.
No meu longínquo caminhar,
o sol e as estradas cediam
passagem às tardes solitárias,
e sobre mim, esvaindo-se em aurora,
a noite detonava seus mistérios.
Mas eis que finalmente tu surgistes!
O meu coração está em cânticos
pois tu surgistes para mim!
Aureolada de estrelas e infinito,
vestida de amanhecer e suavidade, tu surgistes!
Rio de Janeiro, junho de 1985
RECONQUISTA UNIVERSAL
NO GÓLGOTA
JEFFERSON MAGNO COSTA
Prego e carne,
têmpora e espinho,
lábios, sede
e sangue
soerguidos em cruz:
por entre pedras,
trapos de véu,
tremores
e túmulos iluminados,
rasgam um caminho,
vertical e límpido.
Equilibram, pesam
e compram
horizontes reencontrados.
Rio de Janeiro, abril de 1983
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