Jefferson Magno Costa
CANTO SOBRE AS ÁGUAS DA ILHAJosé Santiago Naud
Eu, poeta, profeta, biógrafo de Jesus Cristo,
João,
Quero dizer aos homens
Como o mar se espraia na ilha,
E é linda a moldura do céu sobre os rochedos.
Eu, solitário, homem hebreu, peregrino,
Boanerges,
Quero contar às mulheres
Como o trovão é doce,
E é delícia o caminho que o raio traça nos céus.
Eu, habitante de Patmos, homem ancião, vidente,
Apóstolo,
Quero suplicar às crianças
Como as crianças são,
E pedir-lhes a conservação de sua humildade sem véus.
Eu que sou todos, dentro do amor que sofro,
E sou sábio, sob a luz do Paracleto,
E sou santo, pelo sangue de Cristo,
Quero dizer que não vos desespereis,
Homens de rede sem peixe,
E que compreendais o vento,
navegantes sem rumo,
E que vos perdoo doentes,
ao me arrancardes da ilha,
Para que gema convosco.
Eu, João Boanerges Apóstolo, biógrafo
de Jesus Cristo.
CANTARES VII
(Filha do Rei)
Joanyr de Oliveira
Os teus passos, filha do Rei,
acariciam a face translúcida
do dia; os caminhos, os campos.
Teu andar se harmoniza
com o mar e os pássaros,
em louvações perfeitas.
O imaculado corpo, teu corpo,
Estende-se ao longo da paisagem,
bendizendo os ofícios do Sol.
Nas têmporas do monte,
teus olhos equilibram as águas
construídas em meigo azul.
Ramos ataviam as alturas.
A cabeça nívea, serena.
A cabeleira flutuante no tempo.
O esquio porte, de palmeira.
Espargem teus cachos na Terra
taças de unções indizíveis.
Tens aroma – que estremecem e inebriam
as várias colunas da noite,
porque beijas o soluço e a dor
e os transmudas em flores.
Bem-aventurados teus filhos,
ó vero amor de delícias!
Sobre as piscinas de Hesbom,
deslizando as saudades antigas,
mosto de romãs, perfumes.
Bem-aventuradas tuas sandálias
sob a altiva torre do Líbano
e as frontes iluminadas do Eterno!
No dia em que o primeiro homem ergueu o seu olhar para o céu e entoou um hino de louvor e agradecimento a Deus, nasceu a Poesia Religiosa. Era a mais bela e sublime poesia jamais brotada de lábios humanos. Depois Abel ofereceu a Deus as primícias dos seus rebanhos, acompanhadas de orações tão puras quanto o seu coração; os patriarcas registraram o relato de suas grandiosas peregrinações, os cânticos de Moisés e os Salmos de Davi foram ouvidos, e a harpa sagrada dos profetas ressoou, revelando os desígnios de Deus e inundando de beleza e majestade as páginas da Bíblia.
Trazer uma mensagem nova (as Boas Novas) em linguagem contemporânea sem perder, contudo, o tom grandioso, inspirado e ungido dos poetas bíblicos, deve ser o objetivo de todos os que almejam propagar e enaltecer o nome de Cristo através da poesia evangélica.
Os poetas evangélicos José Santiago Naud e Joanyr de Oliveira conseguiram alcançar em seus poemas um alto nível técnico e inspiracional.
Há no poema de José Santiago Naud, Canto sobre as águas da ilha, uma tonalidade de céu e mar, uma amplitude e um ritmo que o aproxima da grandiosidade de muitas passagens bíblicas - aquele mesmo tom majestoso e grandiloquente que caracterizou o estilo do profeta Isaías e do apóstolo João.
Há no poema de Joanyr de Oliveira, Filha do Rei, uma cadência suave, um fluir musical que nos faz lembrar o próprio caminhar leve e majestoso de princesa. Joanyr debruçou-se sobre a mesma fonte lírica (as pessoas, os costumes e a geografia da Palestina) de onde Salomão retirou os substratos para escrever o livro de Cantares (o Cântico dos Cânticos).
Mar, pássaros e campos se entremesclam com palmeiras, sandálias, piscinas de Hesbom e torres do Líbano. Joanyr (o meu grande amigo e confrade Joanyr, ex-companheiro de trabalho e um dos nossos maiores modelos de poeta exímio, que em dezembro último
partiu para encontrar-se e viver eternamente na companhia do Rei dos reis, e a quem estou devendo uma crônica neste blog) alcança uma plenitude lírica que o aproxima do gigantesco e universal poeta chileno Pablo Neruda, um dos cinco maiores poetas modernos da América Latina.
No seu poema O Cântico Repartido (como em grande parte de sua vasta obra poética), Neruda usa elementos líricos extraídos da geografia de seu país. Eis um pequeno trecho do seu poema como exemplo:
Entre a cordilheira
e o mar do Chile
escrevo.
A cordilheira branca.
O mar cor de selva.
Regressei de minhas viagens com novos orvalhos.
E o vento.
Hoje entre mar e neve
e terra minha
eu depus os dons
que recolhi no mundo.
Eu regressei repleto
de uvas e cereais.
Que os poetas evangélicos da atualidade acumulem uma atenta e vasta leitura das obras dos grandes poetas da língua portuguesa e de outras línguas, nomes que encabeçam as diversas listas de autores das literaturas antigas e modernas.
Que os poetas evangélicos não escrevam os seus poemas tão-somente impulsionados pela inspiração. Que sejam artesãos da palavra, operários habilidosos no difícil ofício de escrever poemas. Que conheçam e façam uso dos diversos recursos técnicos com os quais podem aprimorar suas composições.
Que sejam dotados de uma ampla perspectiva temático-poética, para que possam expressar poeticamente os temas de interesse do povo evangélico (fé, amor, gratidão a Deus, desafios existenciais, atitude diante da morte, esperança de vida eterna, e outros), e não meros poetas voltados para si mesmos, que só sabem expressar mediocremente suas frustrações, mágoas, dor de cotovelo.
Que tenham consciência de que escrever poemas é uma arte, e ser verdadeiramente um poeta evangélico é uma honra, um imenso compromisso assumido diante de Deus. Um ministério.
Portanto, meu conselho aos poetas evangélicos da atualidade é que não escrevam seus poemas confiantes e tão-somente movidos pela inspiração. Pois o produto final desta não passa, muitas vezes, de um atestado de incultura.
Jefferson Magno Costa
Meu amado amigo, irmão Jefferson, que primoroso texto! Realmente uma análise acurada, valendo-se de versos tão nobres. Com sua licença, pretendo publicar este texto no blog Poesia Evangélica, no próximo dia 20.
ResponderExcluirDeus lhe abençoe meu amado irmão.
Um abraço fraterno de seu amigo Sammis
Meu ilustre amigo e irmão Sammis Reachers, como é gratificante receber comentário de quem tem sensibilidade, perspicácia, bom gosto e cultura! Fique à vontade quanto a publicar esse pequeno ensaio no seu blog Poesia Evangélica. Esses dois excepcionais poemas, escritos pelo inesquecível Joanyr de Oliveira e o excepcional José Santiago Naud, mais do que merecem ser divulgados em todos os blogs de literatura. Amigo Sammis, você é um dos raros intelectuais evangélicos que lutam em favor da elevação da cultura e do refinamento da sensibilidade poética do nosso povo. Parabéns pelo relevante, necessário e utilíssimo trabalho.
ResponderExcluirJefferson Magno Costa